O golpe de 1964
A renúncia inesperada do presidente da República
O conflito formado entre os legalistas - que desejavam empossar Jango - e os que tentavam vetar seu retorno ao Brasil, por razões de segurança nacional, obrigou o Congresso a procurar uma alternativa para abrandar os ânimos: a adoção do parlamentarismo. O regime parlamentarista - instaurado a 7 de setembro de 1961, visando limitar a autoridade de Jango – desvirtuou-se de sua função clássica de flexibilização política, sendo utilizado pelo setores conservadores como um instrumento de controle das ações presidenciais. Ao transmitir a presidência da Ordem para Povina Após o plebiscito e o retorno do sistema presidencialista, o crescimento
do apoio popular a Jango desagradou profundamente os militares. Aliando-se
à “esquerda positiva” e tendo como uma das metas de governo as reformas
de base - instituídas por decreto com a finalidade de contornar oposições
no Congresso -, João Goulart incentivou grandes mobilizações de massa,
sendo Em represália ao comício, os setores conservadores, sob a liderança
da ala ortodoxa da Igreja Católica, organizaram a Marcha da Família com
Deus pela Na década de 1960, a Guerra Fria atingiu seu ápice, espalhando o temor pelo rápido avanço do “perigo vermelho”. A vigência do regime socialista em Cuba e na China, influenciou a eclosão de uma série de golpes de estado, organizados pela extrema direita, em grande parte da América Latina. No Brasil, a instalação do golpe de 1964 e a tomada do poder pelos militares contaram com o apoio da maioria da população brasileira que antevia, nas medidas reformistas de Jango, o primeiro passo para um golpe comunista. Para o Conselho Federal da OAB, a ação das Forças Armadas foi vista como uma medida emergencial para evitar o desmantelamento do estado democrático. Dessa forma, a Ordem recebeu com satisfação a notícia do golpe, ratificando as declarações do presidente Povina Cavalcanti, que louvaram a derrocada das forças subversivas. Povina parabenizou a atuação do Conselho, considerando-a lúcida e patriótica ao alertar, durante a reunião realizada a 20 de março, os poderes constituídos da República para a defesa da ordem jurídica e da Constituição. Em maio de 1964, Povina Cavalcanti ainda participou da comissão designada
pelo presidente Castelo Branco para verificar a integridade física dos
nove membros da Missão Comercial da República Popular da China, que visitavam
o Brasil a convite de João Goulart e foram presos no quartel da Polícia
do Exército. No dia 22 de dezembro, os chineses foram julgados pelo Tribunal
Militar e condenados a 10 anos de prisão por conspiração contra a segurança Passados os primeiros meses do golpe, o Conselho Em outubro de 1967, o Conselho discutiu os As manifestações do Conselho Federal contra as violências e arbitrariedades praticadas pelas autoridades militares intensificaram-se no ano de 1968. Na sessão de 25 de junho, o Conselho enviou mensagem ao presidente da República e ao ministro da Justiça, expondo a gravidade dos acontecimentos ocorridos no Rio de Janeiro, quando a polícia investiu contra estudantes na "Passeata dos Cem Mil", realizada dias após o assassinato, a tiros, do estudante secundarista Edson Luís, na invasão arbitrária do restaurante estudantil “Calabouço”. O Conselho, então, empenhou-se de forma decisiva pela instalação, em outubro de 1968, do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), aprovado pelo Senado em 1962. Meses depois, o campus da Universidade de Brasília foi invadido por tropas militares e o jornalista e deputado Márcio Moreira Alves, pronunciou na Câmara dos deputados discurso em protesto contra a invasão. As palavras do deputado foram consideradas ofensivas às Forças Armadas e o governo decidiu puní-lo. Para processar o parlamentar, entretanto, era preciso obter licença da Câmara, que foi negada pela diferença de 216 a 141 votos, em 12 de dezembro de 1968. Reunidos em Recife, na III Conferência Nacional dos Advogados, os membros da Ordem aplaudiram a decisão da Câmara. A sessão de encerramento da Conferência coincidiu com o dia da represália do governo, que editou o Ato Institucional n.º 5. Durante a reunião que decidiu o AI-5, o único a A partir da decretação do AI-5, a OAB, que já vinha se manifestando contra o endurecimento do regime ditatorial, erigiu-se como porta-voz do restabelecimento da ordem jurídica. Embora nem sempre atendida, diversas foram as vezes em que a entidade interveio, exigindo apuração de responsabilidade e denunciando os atentados à dignidade da pessoa humana, tanto em relação a prisões políticas, de advogados ou não, quanto a atos arbitrários promovidos pela censura ou outros mecanismos de coerção instituídos. Entre 1968 e 1970, as principais medidas adotadas contra o regime foram: - Protestos, por ofício,
ao ministro da Justiça ou registrados em ata, contra a prisão de diversos
advogados brasileiros, destacando-se: Sobral
Pinto, George Tavares, Heleno Fragoso (vice- - Elaboração de parecer sobre a violação da Declaração dos Direitos da Pessoa Humana e sobre a inconstitucionalidade da Portaria nº 11-B, baixada pelo ministro da Justiça, que tornou obrigatória a censura prévia da Polícia Federal na divulgação de livros e periódicos no território nacional, de acordo com o Decreto-lei n.º 1.077, de 1970. Em sessão de julho de 1970, o presidente da OAB, O apelo da Ordem pelo retorno à legalidade foi em vão, e os “anos de chumbo” se prolongavam. O projeto Rui Santos, que alterava a organização e o funcionamento do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, cerceando sua atuação, converteu-se na Lei n.º 5.763, de 15 de dezembro de 1971, para agravo do Conselho. O presidente da OAB, José Cavalcanti Neves, totalmente contrário às alterações, manifestou seu repúdio em ata e nota oficial sem, entretanto, aconselhar ou promover a desobediência à lei, reiterando que continuaria como membro da CDDPH. Em 1973, o Conselho decidiu que o presidente da Ordem era membro nato da CDDPH por força de lei, cabendo a ele julgar da conveniência de comparecer às sessões e adotar a conduta mais compatível com o exercício de suas funções. Durante o 6.º Encontro da Diretoria do Conselho Federal com os presidentes dos Conselhos Seccionais, realizado em Curitiba, de 31 de maio a 1.º de junho de 1972, a OAB fez pronunciamento histórico contra o Estado de exceção. A Declaração de Curitiba, assinada ao final do encontro, defendeu os princípios do estado democrático de direito e das garantias fundamentais como elementos essenciais para o progresso socioeconômico. O documento foi “a resposta oficial da Ordem às teses defendidas pelo governo Médici, na tentativa de justificar com índices bem administrados do ‘milagre brasileiro’ a brutal violência da repressão política imposta ao País”, segundo afirma Fernando Coelho em sua obra A OAB e o Regime Militar. O Governo Geisel (1974-1979) foi marcado pela combinação de medidas
liberalizantes e repressivas, o que provocou a reação da linha-dura das
Forças Armadas, que organizou ações autoritárias para reafirmar seu poderio.
Os desaparecimentos de presos políticos mortos pela repressão foram muito
comuns na época. Um caso que provocou grande indignação, repercutindo
sobretudo na classe média e na Igreja, foi a morte do jornalista Vladimir
Herzog, |
A anistia Um dos motivos principais para a mobilização civil contra a ditadura
foi a longa vigência do AI-5 (revogado somente a 1º de janeiro de
1979), que contrastava com as promessas governamentais no sentido da abertura
política. A Declaração
de Curitiba, aprovada na VII
Conferência Nacional dos Advogados, tinha semelhanças com a declaração
de mesmo nome aprovada em 1972, pois manifestava o repúdio dos advogados
pelo estado de exceção ainda vigente no país. O novo documento clamava,
ainda, pela revogação dos atos institucionais e pela anistia ampla, geral
e irrestrita. Durante a Conferência, o Presidente O Conselho Federal, em junho de 1979, ainda se pronunciaria sobre o projeto de Lei da Anistia enviado ao Congresso Nacional, em parecer do Conselheiro Sepúlveda Pertence. O Conselheiro concluíra que a proposta era concebida pelo Governo como um mero indulto coletivo, acrescentando que, enquanto subsistisse a Lei de Segurança Nacional e a "comunidade de informação" na administração pública, não haveria espaço para a plenitude do regime democrático. A Lei da Anistia somente foi aprovada no governo Figueiredo, em agosto de 1979, após forte pressão da sociedade civil. Os resquícios do autoritarismo O início dos anos 1980 foi marcado pela mobilização popular em defesa do estado de direito, das eleições diretas dos representantes políticos e da convocação da Assembléia Constituinte. Reivindicava-se o direito do povo à participação política, por meio da eleição de um representante que respeitasse a vontade da maioria e de uma Constituição que garantisse os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança e a justiça. A nova Constituição deveria substituir a então vigente, elaborada durante o governo Castelo Branco, em 1967. Juntamente com outras entidades representativas A OAB empenhou-se também em ver revogada a Lei de Segurança Nacional e, de forma veemente, definiu aquele instrumento como diploma de natureza totalitária, excrescente e incompatível num regime que se pretendia liberal-democrata, defendendo que os crimes contra a segurança do Estado deveriam voltar ao Código Penal (que era objeto de reforma), para evitar as perseguições e o terrorismo penal. A Emenda Constitucional n.º 11, aprovada pelo Congresso em outubro de 1978 (que entre outras medidas revogava o AI-5 e restabelecia o habeas corpus), já fora para Ordem dos Advogados um embuste, ou ressurreição disfarçada do AI-5, pois ao mesmo tempo conferia ao Executivo vastos poderes para decretar “medidas de emergência”, “estado de sítio” ou “estado de emergência”, que podiam ser renovados sem aprovação legislativa por, pelo menos, 120 dias. A revisão da LSN, em 1978, teve a mesma repercussão entre os advogados, que a consideraram uma fraude. A Lei n.º 6.620, de 17 de dezembro de 1978, foi prorrogada duas vezes, até ser totalmente revogada, em 1983, pela nova e ainda vigente Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170 de 14 de dezembro de 1983). Bastante visada pelos militares e órgãos de segurança contrários à abertura
política, principalmente por reivindicar a convocação de uma Assembléia
nacional Constituinte que defendesse o País do autoritarismo, restituindo-lhe
o pleno estado democrático de direito e consolidando a verdadeira abertura,
considerada insubsistente com a vigência de leis como a LSN, a OAB foi
alvo de um dos muitos atentados a bomba que ocorreram no período. O episódio Lyda Monteiro Às 13h40 do dia 27 de agosto de 1980, a funcionária Lyda Monteiro da Silva, com mais de Sua morte brutal e trágica marcou profundamente a Ordem dos Advogados do Brasil desde o primeiro instante. O Conselho Federal empenhou-se em ver o caso apurado, mas anos se passaram até que se obtivesse uma resposta sobre o atentado. Somente em 2015, após dois anos de investigações realizadas no âmbito da Comissão Estadual da Verdade do Estado do Rio de Janeiro (CEV-Rio), por solicitação do Conselho Federal, é que o caso foi apurado. VER MAIS O relatório final indicou que o atentado foi resultado da ação de um grupo de oficiais vinculados ao Centro de Informação do Exército (CIE), insatisfeitos com a atuação da Ordem a favor da redemocratização do País. Em uma solenidade, a OAB e a CEV-Rio entregaram à família de D. Lyda Monteiro o relatório final desse terrível atentado, que marcou para sempre a história da luta pela democracia e pelas liberdades civis e políticas no Brasil. O documento também foi entregue à Procuradoria Geral da República, solicitando uma investigação ministerial dos fatos, com os desdobramentos pertinentes. Ronald Watters, acusado como responsável pelo atentado à sede da OAB, em entrevista concedida ao Jornal do Brasil, de 23 de maio de 1999, revelou que houve, à época, toda uma estratégia para afastar qualquer suspeita sobre a participação de militares no ato terrorista. O governo teria acionado a Polícia Federal na montagem de uma operação usando Watters no papel de bode expiatório em troca de dinheiro e uma fuga tranquila para o exterior. No mesmo dia do atentado, através da Resolução nº 120/1980, o presidente Seabra Fagundes criou a Comissão de Direitos Humanos no Conselho Federal da OAB e apresentou os 14 nomes eleitos para sua composição: Barbosa Lima Sobrinho, Dalmo de Abreu Dallari, Evandro Lins e Silva, Heráclito da Fontoura Sobral Pinto, J. Bernardo Cabral, José Cavalcanti Neves, José Danir Siqueira do Nascimento, José Paulo Sepúlveda Pertence, José Ribeiro de Castro Filho, Miguel Seabra Fagundes, Nilo Batista, Raul de Sousa Silveira, Raymundo Faoro e Victor Nunes Leal. O cartunista Henrique de Souza Filho, o Henfil, caracterizou bem o momento por que passava o Brasil no início da década de 1980, onde os augúrios da abertura e as forças de oposição geravam as mais contraditórias emoções, de desconsolo e de esperança, de ativismo e de medo, onde entidades como a OAB, por meio de seus membros, protegidos ou “mártires”, emergiam como espectros e fomentadores da mudança. Sua carta, Mãe,
teve grande repercussão. Homenagem ao Prêmio Nobel da Paz O presidente Seabra Fagundes entregou a Adolfo Esquivel um expediente
do Comitê Brasileiro de A atuação da extrema-direita A abertura política, ainda lenta, vacilava a cada novo atentado terrorista. Em todo o País, multiplicavam-se ligações anônimas com ameaças e falsos alarmes de bomba, que obrigavam a evacuação de prédios inteiros. O presidente Figueiredo condenou o terror, chamando de facínoras os que matavam inocentes que nenhuma culpa tinham nas decisões do governo. E, com um áspero recado, vergastou: “Se querem encontrar culpados, peço que desviem suas mãos criminosas sobre a minha pessoa.” No Rio de Janeiro, em 30 de abril de 1981, uma bomba que deveria ser
detonada durante um show no Riocentro explodiu dentro do carro dos dois
Em 1982, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil
- Seção do Rio de Janeiro, compilou uma lista de 333 “mortos e desaparecidos”
políticos sob o governo militar no período 1964-1981. A estimativa feita
pela Anistia Internacional, no período 1964-1979, ficou em 325, um total
muito próximo ao cálculo empreendido pela OAB. Os parentes de 69 pessoas
mortas e desaparecidas na Guerrilha do Araguaia, após procurarem o apoio
de diversas instituições democráticas que se mostraram impotentes para
pressionar as autoridades, solicitaram o apoio da OAB a fim de obter informações
do governo sobre o destino desses ativistas políticos. Em documento
entregue ao presidente da OAB, Bernardo Cabral, os familiares relataram
a luta travada entre as tropas do Exército e os guerrilheiros, denunciando
que os oficiais não respeitaram as Convenções de Genebra nem a Declaração
Universal dos Direitos Humanos no tocante ao tratamento dispensado aos
prisioneiros. Expulsão de estrangeiros Com os adjetivos “ilegal, monstruosa e inconstitucional”, a OAB, por
um de seus mais ilustres porta-vozes, o Conselheiro Sobral Pinto, O próprio Estatuto do Estrangeiros, matéria do Projeto de Lei n.º 9/80, originário da Mensagem Presidencial n.º 64/80, foi objeto de veementes críticas dos setores mais expressivos da opinião pública, destacando-se a OAB, a Associação Brasileira de Imprensa - ABI e, principalmente, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, porque grande parte dos padres católicos estrangeiros estava na mira das autoridades por incentivar protestos populares, em sua maioria de lavradores que resistiam aos donos de terras invadidas nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste do Brasil. Os sacerdotes franceses Aristides Camio e François Gouriou, acusados de incitar invasões de terra no sul do Pará, foram condenados e passaram 2 anos e 4 meses na prisão. O novo projeto que definia o regime jurídico estrangeiro viria de encontro ao asseverado processo de abertura democrática, apresentando inconstitucionalidades e exorbitando arbítrios que o próprio decreto objeto de exame, e imposto pelo regime militar em 1969 (Decreto-Lei n.º 941), não implantou. A oposição conseguiu protelar a votação do projeto, promulgado pelo governo em agosto de 1980, por decurso de prazo. Em outubro, o padre italiano Vito Miracapillo, que vinha irritando as autoridades de Permanbuco, foi deportado por ações “contrárias ao interesse nacional’’. A OAB, ativista na questão dos direitos humanos, repudiou a agressão do governo, que empreendera uma mudança radical na tradicional e característica política nacional de hospitalidade aos estrangeiros; e enviou ao ministro do Supremo Tribunal Federal, telegrama endossando os termos do habeas corpus requerido pelo advogado Villa Verde, em prol da liberdade de consciência e do direito de ser, segundo a sua convicção religiosa. |