O golpe de 1964 Jânio Quadros foi o primeiro presidente da República a tomar posse em Brasília, encarnando as esperanças de um futuro promissor. Todavia, sua inabilidade política – revelada ao adotar medidas descabidas como a proibição do uso de biquíni e das brigas de galo - e sua incerta simpatia pelo regime socialista cubano, instaurado após a Revolução de 1959, fez com que seu governo sofresse com a baixa popularidade e o frágil apoio partidário, levando-o a renunciar a 25 de agosto de 1961, ato considerado por muitos como um golpe fracassado. A renúncia inesperada do presidente da República deflagrou uma crise político-militar e mobilizou o Conselho Federal da OAB que, reunido em sessão a 29 de agosto de 1961, aprovou, por unanimidade, moção proposta pelo presidente nacional da Ordem, Prado Kelly. A sucessão presidencial foi bastante tumultuada, devido a declarada tendência esquerdista do sucessor legal de Jânio, o Vice presidente João Goulart, que estava em visita à China comunista no momento da renúncia. O conflito formado entre os legalistas - que desejavam empossar Jango - e os que tentavam vetar seu retorno ao Brasil, por razões de segurança nacional, obrigou o Congresso a procurar uma alternativa para abrandar os ânimos: a adoção do parlamentarismo. O regime parlamentarista - instaurado a 7 de setembro de 1961, visando limitar a autoridade de Jango – desvirtuou-se de sua função clássica de flexibilização política, sendo utilizado pelo setores conservadores como um instrumento de controle das ações presidenciais. Ao transmitir a presidência da Ordem para Povina Cavalcanti, em 11 de agosto de 1962, Prado Kelly proferiu discurso no qual enfatizava a delicada situação política do País, condenando a instauração, à revelia do povo, do regime parlamentarista. O regime caiu no dia 21 de janeiro de 1963, após ser derrotado nas urnas, através de um plebiscito nacional, por cerca de 80% do eleitorado. Posteriormente, o presidente obteve do Conselho a permissão para convocar sessões extraordinárias circunstanciais, com a finalidade de discutir a evolução da crise política nacional. A OAB temia a perda das garantias constitucionais, caso houvesse uma infiltração comunista no País. Após o plebiscito e o retorno do sistema presidencialista, o crescimento do apoio popular a Jango desagradou profundamente os militares. Aliando-se à “esquerda positiva” e tendo como uma das metas de governo as reformas de base - instituídas por decreto com a finalidade de contornar oposições no Congresso -, João Goulart incentivou grandes mobilizações de massa, sendo um dos organizadores do comício da Central, realizado na Estação Central do Brasil, Rio de Janeiro, a 13 de março de 1964. Em represália ao comício, os setores conservadores, sob a liderança da ala ortodoxa da Igreja Católica, organizaram a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que reuniu mais de 500 mil pessoas nas ruas de São Paulo, a 19 do mês de março. No dia seguinte, os membros do Conselho Federal da OAB foram convocados, extraordinariamente, para debaterem o que se entendia ser um momento de grave ameaça à ordem jurídica, aprovando moção que proclamava a necessidade de se preservar e garantir o livre funcionamento dos poderes constituídos da República. Na década de 1960, a Guerra Fria atingiu seu ápice, espalhando o temor pelo rápido avanço do “perigo vermelho”. A vigência do regime socialista em Cuba e na China, influenciou a eclosão de uma série de golpes de estado, organizados pela extrema direita, em grande parte da América Latina. No Brasil, a instalação do golpe de 1964 e a tomada do poder pelos militares contaram com o apoio da maioria da população brasileira que antevia, nas medidas reformistas de Jango, o primeiro passo para um golpe comunista. Para o Conselho Federal da OAB, a ação das Forças Armadas foi vista como uma medida emergencial para evitar o desmantelamento do estado democrático. Dessa forma, a Ordem recebeu com satisfação a notícia do golpe, ratificando as declarações do presidente Povina Cavalcanti, que louvaram a derrocada das forças subversivas. Povina parabenizou a atuação do Conselho, considerando-a lúcida e patriótica ao alertar, durante a reunião realizada a 20 de março, os poderes constituídos da República para a defesa da ordem jurídica e da Constituição. Em maio de 1964, Povina Cavalcanti ainda participou da comissão designada pelo presidente Castelo Branco para verificar a integridade física dos nove membros da Missão Comercial da República Popular da China, que visitavam o Brasil a convite de João Goulart e foram presos no quartel da Polícia do Exército. No dia 22 de dezembro, os chineses foram julgados pelo Tribunal Militar e condenados a 10 anos de prisão por conspiração contra a segurança nacional. Sobral Pinto, encarregado da defesa dos chineses, conseguiu a expulsão dos estrangeiros, única vitória possível em um estado de exceção. Passados os primeiros meses do golpe, o Conselho Federal começou a vislumbrar a verdadeira face do novo regime, registrando o crescimento do autoritarismo e das arbitrariedades cometidas pelos militares, que não manifestavam o desejo de abandonar o poder e convocar novas eleições, como era esperado. O primeiro passo dado pela OAB para contrapor-se ao regime ocorreu na sessão de junho de 1964, quando a Ordem decidiu que os advogados com os direitos políticos suspensos pelo governo não estavam impedidos de exercer a profissão. O segundo passo foi concretizado na sessão extraordinária de 15 de outubro, quando os Conselheiros protestaram contra os atentados e perseguições praticadas em prejuízo de advogados. Na reunião, o Conselho condenou, por unanimidade, os agravos sofridos pelo presidente da seccional de Goiás, Rômulo Gonçalves, por requerer o cumprimento do habeas corpus concedido ao advogado José Zacarioti, preso arbitrariamente. Preocupado com a desestruturação da ordem jurídica, burlada pela decretação dos Atos Institucionais nºs 1 e 2, o Conselho Federal da OAB apresentou sugestões à Constituição de 1967 e exigiu a manutenção do fundamento de legitimidade do conceito de segurança nacional. O Conselheiro Letácio Jansen expressou sua convicção quanto à inutilidade das sugestões em face da rigidez do regime vigente, que aprovou Lei de Segurança Nacional de forte apelo autoritário (Decreto-Lei n.º 314, de 13 de março de 1967). O governo, entretanto, chegou a solicitar auxílio da Ordem por meio de expediente do ministro da Justiça, convidando o presidente da OAB para integrar a comissão destinada a regulamentar a Lei Complementar referente à Justiça Federal, em junho de 1967. Em outubro de 1967, o Conselho discutiu os acontecimentos que culminaram com a prisão do ex-presidente da Seção do Paraná, José Rodrigues Vieira Neto, vítima de represálias, durante o exercício da profissão, por parte de autoridade militar. A Ordem enviou ofício aos ministros do Exército e da Justiça, ao Procurador Geral da Justiça Militar, aos Tribunais Superiores e ao Supremo Tribunal Federal, ao Congresso Nacional e ao presidente da República, num gesto de desagravo e de apelo para que fossem resguardados a liberdade profissional da classe e o respeito ao Estatuto dos Advogados. As manifestações do Conselho Federal contra as violências e arbitrariedades praticadas pelas autoridades militares intensificaram-se no ano de 1968. Na sessão de 25 de junho, o Conselho enviou mensagem ao presidente da República e ao ministro da Justiça, expondo a gravidade dos acontecimentos ocorridos no Rio de Janeiro, quando a polícia investiu contra estudantes na "Passeata dos Cem Mil", realizada dias após o assassinato, a tiros, do estudante secundarista Edson Luís, na invasão arbitrária do restaurante estudantil “Calabouço”. O Conselho, então, empenhou-se de forma decisiva pela instalação, em outubro de 1968, do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), aprovado pelo Senado em 1962. Meses depois, o campus da Universidade de Brasília foi invadido por tropas militares e o jornalista e deputado Márcio Moreira Alves, pronunciou na Câmara dos deputados discurso em protesto contra a invasão. As palavras do deputado foram consideradas ofensivas às Forças Armadas e o governo decidiu puní-lo. Para processar o parlamentar, entretanto, era preciso obter licença da Câmara, que foi negada pela diferença de 216 a 141 votos, em 12 de dezembro de 1968. Reunidos em Recife, na III Conferência Nacional dos Advogados, os membros da Ordem aplaudiram a decisão da Câmara. A sessão de encerramento da Conferência coincidiu com o dia da represália do governo, que editou o Ato Institucional n.º 5. Durante a reunião que decidiu o AI-5, o único a votar contra a instituição do ato foi o vice-presidente da República, o civil Pedro Aleixo, ex-Conselheiro da OAB, por acreditar que a decretação do estado de sítio seria suficiente para controlar uma possível onda de contestações ao regime. O grave abalo às liberdades fundamentais, processado pela edição do Ato Institucional nº 5, que entre outras arbitrariedades suspendeu a eficácia do habeas corpus, mobilizou fortes protestos por parte do Conselho Federal da OAB. A Ordem não cessou de envidar esforços para o restabelecimento do pleno estado de direito, sem, entretanto, apoiar quaisquer atos antiditatoriais que fossem contrários aos preceitos éticos que regiam a entidade. Dessa forma, a OAB prestou solidariedade ao embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick, seqüestrado pelos grupos armados de oposição ao regime (ALN e MR-8), em 15 de agosto de 1969, quatro dias após a Junta Militar assumir o poder. A partir da decretação do AI-5, a OAB, que já vinha se manifestando contra o endurecimento do regime ditatorial, erigiu-se como porta-voz do restabelecimento da ordem jurídica. Embora nem sempre atendida, diversas foram as vezes em que a entidade interveio, exigindo apuração de responsabilidade e denunciando os atentados à dignidade da pessoa humana, tanto em relação a prisões políticas, de advogados ou não, quanto a atos arbitrários promovidos pela censura ou outros mecanismos de coerção instituídos. Entre 1968 e 1970, as principais medidas adotadas contra o regime foram: - Protestos, por ofício, ao ministro da Justiça ou registrados em ata, contra a prisão de diversos advogados brasileiros, destacando-se: Sobral Pinto, George Tavares, Heleno Fragoso (vice-presidente da Seção da Guanabara), Augusto Sussekind de Moraes Rego (representante da Seção do Paraná), Albertino de Souza Oliva, Mário Edson de Barros, João Pereira da Silva, Levy Raw de Moura e Ruy César do Espírito Santo, entre outros, que trabalharam como defensores de presos políticos e de outros advogados, no exercício da profissão, ou foram simplesmente acusados de subversão. - Elaboração de parecer sobre a violação da Declaração dos Direitos da Pessoa Humana e sobre a inconstitucionalidade da Portaria nº 11-B, baixada pelo ministro da Justiça, que tornou obrigatória a censura prévia da Polícia Federal na divulgação de livros e periódicos no território nacional, de acordo com o Decreto-lei n.º 1.077, de 1970. - Pronunciamento contra a edição do Ato Institucional nº 14, a 10 de setembro de 1969, que instituiu a pena de morte, provocando veemente protesto do ex- presidente da OAB, Samuel Duarte. Em sessão de julho de 1970, o presidente da OAB, Laudo de Almeida Camargo, comunicou os resultados de sua entrevista com o presidente da República, Emílio Garrastazu Médici, a fim de convidá-lo para presidir a sessão de instalação da IV Conferência Nacional da OAB, cujo tema central era a contribuição do advogado ao desenvolvimento nacional. Na entrevista, o presidente realçou a colaboração que os advogados sempre deram e poderiam continuar dando ao aprimoramento da ordem jurídica, como sustentação necessária ao desenvolvimento nacional. A OAB, todavia, tinha consciência de que o regime não tencionava abandonar sua face mais autoritária. Foi pensando nisto, que o Conselho Federal, na figura do recém empossado presidente José Cavalcanti Neves, tentou novo diálogo com o governo, enviando dois ofícios ao presidente Médici, em abril de 1971. Os ofícios reivindicavam: o cessamento das violências praticadas contra advogados no exercício da profissão; a necessidade de restabelecimento da garantia legal do habeas corpus; a normalização do funcionamento do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana - CDDPH; a revogação da pena de morte; o restabelecimento das garantias do Poder Judiciário e a observância de norma que impunha a comunicação de qualquer prisão ao Poder Judiciário. O apelo da Ordem pelo retorno à legalidade foi em vão, e os “anos de chumbo” se prolongavam. O projeto Rui Santos, que alterava a organização e o funcionamento do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, cerceando sua atuação, converteu-se na Lei n.º 5.763, de 15 de dezembro de 1971, para agravo do Conselho. O presidente da OAB, José Cavalcanti Neves, totalmente contrário às alterações, manifestou seu repúdio em ata e nota oficial sem, entretanto, aconselhar ou promover a desobediência à lei, reiterando que continuaria como membro da CDDPH. Em 1973, o Conselho decidiu que o presidente da Ordem era membro nato da CDDPH por força de lei, cabendo a ele julgar da conveniência de comparecer às sessões e adotar a conduta mais compatível com o exercício de suas funções. Durante o 6.º Encontro da Diretoria do Conselho Federal com os presidentes dos Conselhos Seccionais, realizado em Curitiba, de 31 de maio a 1.º de junho de 1972, a OAB fez pronunciamento histórico contra o Estado de exceção. A Declaração de Curitiba, assinada ao final do encontro, defendeu os princípios do estado democrático de direito e das garantias fundamentais como elementos essenciais para o progresso socioeconômico. O documento foi “a resposta oficial da Ordem às teses defendidas pelo governo Médici, na tentativa de justificar com índices bem administrados do ‘milagre brasileiro’ a brutal violência da repressão política imposta ao País”, segundo afirma Fernando Coelho em sua obra A OAB e o Regime Militar. O Governo Geisel (1974-1979) foi marcado pela combinação de medidas liberalizantes e repressivas, o que provocou a reação da linha-dura das Forças Armadas, que organizou ações autoritárias para reafirmar seu poderio. Os desaparecimentos de presos políticos mortos pela repressão foram muito comuns na época. Um caso que provocou grande indignação, repercutindo sobretudo na classe média e na Igreja, foi a morte do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975. Herzog morreu nas dependências do DOI-CODI em São Paulo, preso sob a acusação de ter ligações suspeitas com o Partido Comunista Brasileiro - PCB. A versão oficial do ocorrido fora suicídio por enforcamento. A OAB colocou-se à disposição da esposa do jornalista para responsabilizar o Estado por sua morte. Meses depois, a morte do operário metalúrgico Manuel Fiel Filho, em circunstâncias semelhantes, fez aumentar a reação da opinião pública pela liberalização. A gestão de Raymundo Faoro (1977-1979) na presidência da OAB teve início com o impacto autoritário do “Pacote de Abril”, instituído pelo governo em 1977. O general Ernesto Geisel, que havia iniciado o processo de abertura política logo após assumir o poder, recuou perante o crescimento das oposições no Congresso, aprovando uma série de medidas arbitrárias. O pacote determinou o recesso do Parlamento, baixou decretos-lei e emendou a Constituição, criando a figura do “senador biônico”. A OAB, então, passou a ser uma das principais instituições da sociedade civil (ao lado, principalmente, da Associação Brasileira de Imprensa - ABI e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB) comprometidas com o processo de abertura, fomentado pelo que se convencionou denominar "Missão Portela". A atuação do senador Petrônio Portela na reivindicação pela anistia ampla, geral e irrestrita dos presos políticos teve o apoio e a interlocução diretos do presidente Raymundo Faoro, que direcionou todo o seu mandato para o combate ao arbítrio. Faoro enfocou, principalmente, a revogação da Lei de Segurança Nacional, bem como a restauração do habeas corpus, das garantias plenas da magistratura, do respeito aos direitos humanos e da convocação de uma Assembléia nacional Constituinte, precedida da abolição do AI-5. |
A anistia Um dos motivos principais para a mobilização civil contra a ditadura foi a longa vigência do AI-5 (revogado somente a 1º de janeiro de 1979), que contrastava com as promessas governamentais no sentido da abertura política. A Declaração de Curitiba, aprovada na VII Conferência Nacional dos Advogados, tinha semelhanças com a declaração de mesmo nome aprovada em 1972, pois manifestava o repúdio dos advogados pelo estado de exceção ainda vigente no país. O novo documento clamava, ainda, pela revogação dos atos institucionais e pela anistia ampla, geral e irrestrita. Durante a Conferência, o Presidente Raymundo Faoro, através do Senador Petrônio Portela e do representante do Presidente da República, Ministro Rafael Mayer, recebeu comunicação do General Ernesto Geisel, de que seria decretada a anistia, por que se empenhava a Ordem dos Advogados do Brasil. O Conselho Federal, em junho de 1979, ainda se pronunciaria sobre o projeto de Lei da Anistia enviado ao Congresso Nacional, em parecer do Conselheiro Sepúlveda Pertence. O Conselheiro concluíra que a proposta era concebida pelo Governo como um mero indulto coletivo, acrescentando que, enquanto subsistisse a Lei de Segurança Nacional e a "comunidade de informação" na administração pública, não haveria espaço para a plenitude do regime democrático. A Lei da Anistia somente foi aprovada no governo Figueiredo, em agosto de 1979, após forte pressão da sociedade civil. Os resquícios do autoritarismo O início dos anos 1980 foi marcado pela mobilização popular em defesa do estado de direito, das eleições diretas dos representantes políticos e da convocação da Assembléia Constituinte. Reivindicava-se o direito do povo à participação política, por meio da eleição de um representante que respeitasse a vontade da maioria e de uma Constituição que garantisse os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança e a justiça. A nova Constituição deveria substituir a então vigente, elaborada durante o governo Castelo Branco, em 1967. Juntamente com outras entidades representativas da sociedade civil, como a Associação Brasileira de Imprensa - ABI e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, a OAB lutava para combater a repressão política, instaurar a ordem democrática e assegurar a defesa dos direitos humanos. A gestão de Eduardo Seabra Fagundes foi marcada pela continuidade da posição da Ordem dos Advogados do Brasil nos trabalhos do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, que voltava a funcionar. Exigindo a apuração de denúncias dos abusos contra as garantias individuais, o presidente da Ordem teve atuação destacada por censurar a inoperância das decisões e lutar contra o sigilo que regia as deliberações do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana - CDDPH. Para a Ordem afluíram inúmeros pedidos e reivindicações de pessoas atingidas pelo desrespeito aos direitos humanos, como a tentativa de reabertura do processo do desaparecimento do deputado Rubens Paiva, a investigação sobre as ossadas de presos políticos encontradas em Rio Verde - GO e o acompanhamento dos trabalhos de localização da casa de Petrópolis - ou “casa da morte”, como era conhecida -, utilizada como local de refúgio pelos órgãos de segurança. A OAB empenhou-se também em ver revogada a Lei de Segurança Nacional e, de forma veemente, definiu aquele instrumento como diploma de natureza totalitária, excrescente e incompatível num regime que se pretendia liberal-democrata, defendendo que os crimes contra a segurança do Estado deveriam voltar ao Código Penal (que era objeto de reforma), para evitar as perseguições e o terrorismo penal. A Emenda Constitucional n.º 11, aprovada pelo Congresso em outubro de 1978 (que entre outras medidas revogava o AI-5 e restabelecia o habeas corpus), já fora para Ordem dos Advogados um embuste, ou ressurreição disfarçada do AI-5, pois ao mesmo tempo conferia ao Executivo vastos poderes para decretar “medidas de emergência”, “estado de sítio” ou “estado de emergência”, que podiam ser renovados sem aprovação legislativa por, pelo menos, 120 dias. A revisão da LSN, em 1978, teve a mesma repercussão entre os advogados, que a consideraram uma fraude. A Lei n.º 6.620, de 17 de dezembro de 1978, foi prorrogada duas vezes, até ser totalmente revogada, em 1983, pela nova e ainda vigente Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170 de 14 de dezembro de 1983). Bastante visada pelos militares e órgãos de segurança contrários à abertura
política, principalmente por reivindicar a convocação de uma Assembléia
nacional Constituinte que defendesse o País do autoritarismo, restituindo-lhe
o pleno estado democrático de direito e consolidando a verdadeira abertura,
considerada insubsistente com a vigência de leis como a LSN, a OAB foi
alvo de um dos muitos atentados a bomba que ocorreram no período. O episódio Lyda Monteiro Às 13h40 do dia 27 de agosto de 1980, a funcionária Lyda Monteiro da Silva, com mais de quarenta anos de serviços prestados à OAB, foi fatalmente vitimada por um atentado a bomba. O atentado, executado na forma de um envelope que chegara como correspondência destinada ao presidente do Conselho Federal, Eduardo Seabra Fagundes, ocorreu quando a Seccional de São Paulo e o Presidente Nacional da Ordem, na qualidade de delegado do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, insistiam na identificação de agentes e ex-agentes dos serviços de segurança suspeitos do atentado sofrido pelo jurista Dalmo Dallari – sequestrado e agredido em 2 de julho de 1980, em São Paulo –, que terminou arquivado. Cerca de 6 mil pessoas participaram do enterro da funcionária Lyda Monteiro, realizado em tom de protesto, a despeito da posição da família, que não desejava o cortejo transformado numa manifestação política. Partindo da sede da OAB em direção ao cemitério São João Batista, em Botafogo, no Rio de Janeiro, a caminhada de 8 km, marcada por faixas de muitas cores e tamanhos, foi acompanhada pelo 5º Batalhão de Polícia Militar e durou três horas e meia. Segundo reportagem da Revista IstoÉ, de 3 de setembro de 1980, houve quem se lembrasse do tenebroso ano de 1968 e de episódios como o enterro do estudante Édson Luís – que antecederam o período mais autoritário da história da República. “Todo o percurso foi cumprido ao som do Hino Nacional e das palavras de ordem ‘O povo indignado repudia o atentado’ ou ‘Chega de omissão, exigimos punição’. (...) Das janelas dos edifícios vinham manifestações de solidariedade. Muitos moradores aplaudiam e alguns acenavam com panos negros”. Sua morte brutal e trágica marcou profundamente a Ordem dos Advogados do Brasil desde o primeiro instante. O Conselho Federal empenhou-se em ver o caso apurado, mas anos se passaram até que se obtivesse uma resposta sobre o atentado. Somente em 2015, após dois anos de investigações realizadas no âmbito da Comissão Estadual da Verdade do Estado do Rio de Janeiro (CEV-Rio), por solicitação do Conselho Federal, é que o caso foi apurado. VER MAIS O relatório final indicou que o atentado foi resultado da ação de um grupo de oficiais vinculados ao Centro de Informação do Exército (CIE), insatisfeitos com a atuação da Ordem a favor da redemocratização do País. Em uma solenidade, a OAB e a CEV-Rio entregaram à família de D. Lyda Monteiro o relatório final desse terrível atentado, que marcou para sempre a história da luta pela democracia e pelas liberdades civis e políticas no Brasil. O documento também foi entregue à Procuradoria Geral da República, solicitando uma investigação ministerial dos fatos, com os desdobramentos pertinentes. Ronald Watters, acusado como responsável pelo atentado à sede da OAB, em entrevista concedida ao Jornal do Brasil, de 23 de maio de 1999, revelou que houve, à época, toda uma estratégia para afastar qualquer suspeita sobre a participação de militares no ato terrorista. O governo teria acionado a Polícia Federal na montagem de uma operação usando Watters no papel de bode expiatório em troca de dinheiro e uma fuga tranquila para o exterior. No mesmo dia do atentado, através da Resolução nº 120/1980, o presidente Seabra Fagundes criou a Comissão de Direitos Humanos no Conselho Federal da OAB e apresentou os 14 nomes eleitos para sua composição: Barbosa Lima Sobrinho, Dalmo de Abreu Dallari, Evandro Lins e Silva, Heráclito da Fontoura Sobral Pinto, J. Bernardo Cabral, José Cavalcanti Neves, José Danir Siqueira do Nascimento, José Paulo Sepúlveda Pertence, José Ribeiro de Castro Filho, Miguel Seabra Fagundes, Nilo Batista, Raul de Sousa Silveira, Raymundo Faoro e Victor Nunes Leal. O cartunista Henrique de Souza Filho, o Henfil, caracterizou bem o momento por que passava o Brasil no início da década de 1980, onde os augúrios da abertura e as forças de oposição geravam as mais contraditórias emoções, de desconsolo e de esperança, de ativismo e de medo, onde entidades como a OAB, por meio de seus membros, protegidos ou “mártires”, emergiam como espectros e fomentadores da mudança. Sua carta, Mãe,
teve grande repercussão. Homenagem ao Prêmio Nobel da Paz Em sessão especial conjunta do Conselho Federal e da Comissão de Direitos Humanos para homenagear o Prêmio Nobel da Paz Adolfo Perez Esquivel, em 18 de fevereiro de 1981, o presidente Eduardo Seabra Fagundes fez um relato da problemática dos direitos humanos, ressaltando que a OAB não se curvava ao arbítrio, à violência e às iniqüidades praticadas. Falou que a entidade jamais compactuava com advogados que se desviavam do comportamento ético e exigia, portanto, conduta idêntica dos outros órgãos que pretendiam apoiar elementos de seus quadros, responsáveis por atos de violência. Por fim, ressaltou que a reunião significava o reconhecimento ao trabalho do homenageado em favor dos direitos humanos. Adolfo Esquivel disse participar do pensamento do presidente Seabra Fagundes, como do respeito à justiça e à lei. Afirmou que os advogados deveriam continuar sendo os defensores dos injustiçados, pois havia leis que não eram justas, embora de feição legal. Destacou a falta de respeito aos direitos humanos na América Latina e em outros Países, assinalando que a Justiça não devia ser cega, surda nem muda, mas sim deveria ver e bem; ouvir e muito; e falar com clareza contra os que praticavam injustiças, asseverando que “nada se pode construir quando a verdade não salta à luz”, o que ocasionou a sua detenção pela Polícia Federal, para “advertência”. O presidente Seabra Fagundes entregou a Adolfo Esquivel um expediente
do Comitê Brasileiro de
Anistia e recordou a integração da OAB no Conselho de Defesa dos Direitos
da Pessoa Humana - CDDPH, destacando que dele também fazia parte o presidente
da Associação Brasileira de Imprensa - ABI, Barbosa Lima
Sobrinho. A atuação da extrema-direita A abertura política, ainda lenta, vacilava a cada novo atentado terrorista. Em todo o País, multiplicavam-se ligações anônimas com ameaças e falsos alarmes de bomba, que obrigavam a evacuação de prédios inteiros. O presidente Figueiredo condenou o terror, chamando de facínoras os que matavam inocentes que nenhuma culpa tinham nas decisões do governo. E, com um áspero recado, vergastou: “Se querem encontrar culpados, peço que desviem suas mãos criminosas sobre a minha pessoa.” No Rio de Janeiro, em 30 de abril de 1981, uma bomba que deveria ser detonada durante um show no Riocentro explodiu dentro do carro dos dois militares que a transportavam. O presidente da OAB, Bernardo Cabral, presidiu reunião no Congresso Nacional - juntamente com o presidente da Associação Brasileira de Imprensa - ABI, Barbosa Lima Sobrinho - para, com os líderes dos partidos políticos, emprestarem apoio ao presidente João Figueiredo, com o objetivo exclusivo de eliminar o terrorismo que inquietava a Nação e adotar medidas destinadas à apuração dos fatos relativos à explosão que ocasionou a morte de um militar e ferimentos graves em um oficial do exército. Durante a reunião foi apresentada uma manifestação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB com o mesmo propósito. Em 1982, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil
- Seção do Rio de Janeiro, compilou uma lista de 333 “mortos e desaparecidos”
políticos sob o governo militar no período 1964-1981. A estimativa feita
pela Anistia Internacional, no período 1964-1979, ficou em 325, um total
muito próximo ao cálculo empreendido pela OAB. Os parentes de 69 pessoas
mortas e desaparecidas na Guerrilha do Araguaia, após procurarem o apoio
de diversas instituições democráticas que se mostraram impotentes para
pressionar as autoridades, solicitaram o apoio da OAB a fim de obter informações
do governo sobre o destino desses ativistas políticos. Em documento
entregue ao presidente da OAB, Bernardo Cabral, os familiares relataram
a luta travada entre as tropas do Exército e os guerrilheiros, denunciando
que os oficiais não respeitaram as Convenções de Genebra nem a Declaração
Universal dos Direitos Humanos no tocante ao tratamento dispensado aos
prisioneiros. Expulsão de estrangeiros Com os adjetivos “ilegal, monstruosa e inconstitucional”, a OAB, por um de seus mais ilustres porta-vozes, o Conselheiro Sobral Pinto, expressou sua repulsa à tentativa do governo de expulsar do País o presidente da União Nacional dos Estudantes - UNE, Francisco Javier Alfaya. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil tornou pública sua preocupação, ressaltando que a coação feita àquele estudante feria o preceito constitucional, reparável pela via do habeas corpus. E resolveu constituir uma comissão que, em caráter de urgência, examinasse a situação do estrangeiro em face da Constituição Federal e do Estatuto dos Estrangeiros, tendo em vista que este só restringia ao alienígena aqui residente a atividade político-partidária, tendo sido remetidas cópias do relatório final dos trabalhos aos Ministérios da Justiça, do Trabalho e da Educação. O próprio Estatuto do Estrangeiros, matéria do Projeto de Lei n.º 9/80, originário da Mensagem Presidencial n.º 64/80, foi objeto de veementes críticas dos setores mais expressivos da opinião pública, destacando-se a OAB, a Associação Brasileira de Imprensa - ABI e, principalmente, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, porque grande parte dos padres católicos estrangeiros estava na mira das autoridades por incentivar protestos populares, em sua maioria de lavradores que resistiam aos donos de terras invadidas nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste do Brasil. Os sacerdotes franceses Aristides Camio e François Gouriou, acusados de incitar invasões de terra no sul do Pará, foram condenados e passaram 2 anos e 4 meses na prisão. O novo projeto que definia o regime jurídico estrangeiro viria de encontro ao asseverado processo de abertura democrática, apresentando inconstitucionalidades e exorbitando arbítrios que o próprio decreto objeto de exame, e imposto pelo regime militar em 1969 (Decreto-Lei n.º 941), não implantou. A oposição conseguiu protelar a votação do projeto, promulgado pelo governo em agosto de 1980, por decurso de prazo. Em outubro, o padre italiano Vito Miracapillo, que vinha irritando as autoridades de Permanbuco, foi deportado por ações “contrárias ao interesse nacional’’. A OAB, ativista na questão dos direitos humanos, repudiou a agressão do governo, que empreendera uma mudança radical na tradicional e característica política nacional de hospitalidade aos estrangeiros; e enviou ao ministro do Supremo Tribunal Federal, telegrama endossando os termos do habeas corpus requerido pelo advogado Villa Verde, em prol da liberdade de consciência e do direito de ser, segundo a sua convicção religiosa. |