Fórum abordou grandes projetos e grandes desigualdades na Amazônia

terça-feira, 28 de abril de 2015 às 05:09

Belém (PA) Coordenado por Francisco de Assis Costa, diretor do NAEA (Núcleo de Altos Estudos Amazônicos) e Assis da Costa Oliveira, professor da Universidade Federal do Pará, o fórum foi realizado na manhã desta terça-feira (28) e dentre os presentes estavam Carlos Maneschy, reitor da UFPA, do jornalista Lúcio Flávio Pinto, Antônia Melo, do Movimento “Xingu Vivo Para Sempre”, e Iury Paulino, da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens. Letícia Ferraro Arthuzo, da Fundação Getúlio Vargas, e Rodrigo Oliveira (Dejusticia/Colombia) também participaram.

Para Carlos Maneschy, os grandes projetos instalados na região provocam uma reflexão: esse modelo que está sendo utilizado não serve para os interesses da Amazônia? “Se a resposta é que não serve, a pergunta que surge é o quê serve? Como fazer para colocar no lugar o que se serve? Como colocar no lugar algo que supere esse modelo de exploração econômica que ainda remonta aos tempos do Brasil colônia?”, indagou.

O reitor apontou que as razões que contribuem para essa realidade são um modelo de economia extremamente débil, baseado em insumos de produção – que tinham e ainda continuam a ter em determinadas situações – em latifúndio, escravidão, que utiliza produtos naturais e valoriza elementos da economia estática, muito pouco dinâmica. “O segundo elemento é a educação como privilegio, como direitos de poucos”, acrescentou.

Maneschy acredita que é preciso estabelecer cadeias produtivas que incorporem insumos da biodiversidade, associadas em redes de excelência de pesquisa, desenvolvidas em nível regional, nacional e internacional. “Cadeias produtivas estruturadas em conjunto que possam explorar toda a intensificação dos fluxos comerciais e financeiros que hoje o modelo econômico mundial permite”.

Uma das alternativas é sair do discurso e ir para a prática efetiva ao agregar valor aos produtos da biodiversidade. “O prumo estruturante para que se possa dar um passo que nos leve para uma nova realidade em termos de resultados está centrado em três ações: a primeira é conhecer as realidades; a segunda é formar mentalidades; a terceira é transformar em real as potencialidades”.

De acordo com o professor, só é possível conhecer a realidade por meio da ciência, formar mentalidades apostando na educação, e transformar em real as potencialidades com investimentos em tecnologia e inovação. “Três ações associadas com três conceitos. Todos esses conceitos podem ser abrangidos pelo conhecimento”. Para mudar essa realidade, é necessário incorporar o conhecimento como moeda principal da produção econômica.

O reitor defendeu que o conhecimento cada vez mais se torna instrumento de poder. “Se ele passa a ser instrumento de poder, não nos iludamos, ele é um instrumento de domínio local. Na história da globalização, absolutamente nada é global. O conhecimento é um instrumento de poder que precisa ter domínio local onde ele puder ser estabelecido e usado como ferramenta para produzir riqueza para a população”.

O professor ressaltou ainda que é preciso uma grande discussão que questione o pacto federativo vigente e estabeleça um plano nacional que incorpore a Amazônia como elemento indispensável do ponto de vista do desenvolvimento do país. “Mas só isso não basta. Precisamos, neste momento, pensar a necessidade de instituir órgãos de fomento à pesquisa em toda a região, abrir cada vez mais o número de programas de mestrado e doutorado. Não podemos falar de mudança de base produtiva sem incorporar recursos humanos qualificados”, observou.

Ainda segundo Maneschy, o sistema educacional regional precisa ser profundamente alterado. “Os indicadores que nós apresentamos, sobretudo na educação básica, são vergonhosos”, ponderando que “não há exemplo nenhum na história contemporânea de nação desenvolvida no mundo que não incorporou os três pilares de qualquer desenvolvimento: primeiro, um governo forte, com legitimidade estabelecida pelos processos democráticos, capaz de propor e executar as mudanças inovadoras que o país precisa; segundo, um empresariado ousado, capitalizado, e estimulado a correr riscos; terceiro, uma academia crítica, independente, eficaz, sem qualquer tipo de dependência financeira e política para propor as soluções que nós precisamos estabelecer no Brasil.

Antônia Melo, do Movimento “Xingu Vivo Para Sempre”, classificou as condicionantes exigidas para a construção da hidrelétrica de Belo Monte como “uma moeda de troca criminosa das autoridades que se curvam diante dos projetos. Onde está a luta por justiça social, pelos direitos humanos?” questionou. “E o pior de tudo é que as pessoas massacradas por um projeto monstruoso desses não têm acesso à justiça. Em Altamira, vai fazer um ano que a Defensoria Pública fechou as portas. Às vezes, é prestado um serviço itinerante, já que apenas em janeiro chegou uma equipe dos defensores públicos da União. Se houvesse justiça neste país, esse projeto já teria sido cancelado”, afirmou.

Para Iury Paulino, da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens, a construção de Belo Monte “não é uma demanda do povo brasileiro, e é organizada politicamente para sacar os recursos naturais do Brasil”. Ele explicou que a energia hidrelétrica é um recurso de base natural vantajosa, pois “não considera a dimensão social e ambiental como deveria”. Iury alertou que “enquanto não se discutir qual a finalidade da política energética brasileira e para quem vai a riqueza que é produzida com os recursos naturais, não se tem condições de discutir um projeto para o povo brasileiro”.

Na avaliação de Paulino, a riqueza que vai ser construída em Belo Monte não ficará para saúde e educação. “Qualquer barragem construída hoje não é para o benefício dos trabalhadores, mas para o capital financeiro internacional. A Norte Energia cadastrou 8 mil famílias - que não é a totalidade atingida pela usina, mas estão sendo construídas apenas 4 mil casas. O processo de cadastro é altamente excludente e o processo de negociação é autoritário. A oportunidade que tinha para se resolver o problema de moradia na região não é aproveitada”, lamentou.

Para Iury, a única ferramenta que pode fazer frente a os projetos é a mobilização do povo. “E essa mobilização passa por um processo de conscientização do povo, que infelizmente não chegou ao nível que deveria pelas contradições que se apresenta Belo Monte”, analisou. Ele define o movimento contra a construção de Belo Monte como a luta para tentar minimamente garantir os direitos daquela população que está sendo excluída e tratada da pior maneira possível. “A tendência é se criar um grande bolsão de miséria e pobreza naquela região de Altamira, ao lado de um projeto que vai gerar mais de R$ 100 bilhões de lucro em 30 anos para quatro ou cinco grupos empresariais. E isso, nós não podemos permitir”, concluiu.