Painel 1 - Direitos humanos, ativismo judicial e igualdade guiam encontro
São Paulo - O respeito às normas internacionais dos direitos humanos e à divisão de poderes deu o tom do Painel 1 – Dignidade da Pessoa Humana - no primeiro dia da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira. A mesa, que ocorreu ao longo da tarde de segunda-feira (27) com excelente presença de público, foi presidida por Ophir Filgueiras Cavalcante Júnior e contou com a relatoria de Sílvio Pessoa de Carvalho Júnior e secretaria de Antonio Cândido Barra Monteiro de Britto.
Em sua participação no painel, o presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, ressaltou a importância do debate sobre o tema na atual quadra da história. “A exploração deste assunto sob todos os seus prismas deve ser intensa e cotidiana. É um tema que se encontra, sem dúvida alguma, no DNA da Ordem dos Advogados do Brasil, firmando-se como um compromisso inarredável da nossa entidade nas lutas passadas, atuais e vindouras”, apontou.
“Cabe a nós cumprir com mais seriedade os pactos e tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. Com isso, poderemos nos abrir a uma sociedade que não deixe de ter a pluralidade como força motriz e que esteja sempre de portas abertas para a aquição de direitos fudamentais”, afirmou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Edson Fachin, cuja conferência deu início aos debates do painel.
A incorporação das normas internacionais dos direitos humanos, ressaltou o magistrado, não são incompatíveis com a soberania do país. Pelo contrário, disse, estão em plena concordância com a Constituição Federal de 1988, sobretudo no art. 5º, que reconhece a proeminência da dignidade humana. “Essas mudanças realizam as promessas constitucionais e fazem com que a Constiuição se torne aquilo que prometeu ser”, explicou.
Fachin pontuou ainda que uma Constituição deve ser como uma catedral em permanente construção – metáfora que permite supor um respeito à estrutura existente, porém com modificações pontuais necessárias para mantê-la em pé e funcional. “Esse processo tem como premissa não desconsiderar a norma posta, mas considerar a atividade interpretativa, por meio da qual se constrói o direito permeando com justiça cada caso em concreto.”
Nesse sentido, a professora de direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Flavia Piovesan atestou que é fudamental intensificar o diálogo entre a ordem interna e internacional dos direitos humanos. “Temos que derrubar os muros”, afirmou. “Temos que considerar a aplicação dos direitos humanos em uma perspectiva multinível, envolvendo as arenas global, regional e local, guiados pelo princípio maior da prevalência da dignidade humana”, opinou.
De acordo com Piovesan, que a partir de janeiro ocupará um assento na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), a questão exige uma interpretação cosmopolita do direito. “Pensar os Direitos Humanos no século 21 é pensar na internacionalização dos direitos humanos” – o que, continua, é essencial no momento histórico que vivemos, marcado pelo ressusrgimento do nacionalismos e de discursos de ódio.
A professora sublinhou a importância do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, a quem reputa papel relevante na desestabilização de ditaduras e na proteção de populações vulneráveis, como indígenas, mulheres e migrantes. “O Sistema Interamericano salvou e salva vidas”, afirmou. Piovesan ponderou, no entanto, que não adianta termos cláusulas e dispositivos jurídicos avançados sem uma interpretação condizente com as potencialidades. “Não podemos ser reféns de mentes cerradas, com interpretações reducionistas.”
Ativismo judicial
O ministro do STF Alexandre de Moraes dedicou a intervenção a discutir o respeito à dignidade humana no contexto de ativismo judicial vivivo pelo país atualmente. “Há uma dificuldade de transformar os princípios de direitos humanos em normas constitucionais”, ressaltou. “O Judiciário confunde o que é interpretação constitucional, o que é ativismo judicial e o que não seria nem interpretação nem ativismo judicial, mas uma excentricidade dos juízes, marcada por grande subjetivismo.”
De juízes de primeira instância aos ministros do Supremo, todo magistrado age, segundo o ministro, com certo grau de ativismo. “Não estou condenando o ativismo nem confundindo ativismo com interpretação, mas precisamos verificar os limites do ativismo, além de identificar as excentricidades judiciais, que extrapolam qualquer contenção jurídica e acabam substituindo – a meu ver, de maneira muito perigosa – a decisão do legislador”, explicou.
Alexandre de Moraes fez menção especial à atuação política do Poder Judiciário, que criticou. “Se o Judiciário quiser se transformar no principal ator político, perde a legitimidade de moderanção perante os demais Poderes da República, entra na guerra do jogo político e passa a perder, com o tempo, a própria legitimidade de dizer a última palavra”, analisou. “Quem está na briga não pode dizer a última palavra. Mas quem tem o papel histórico de moderador pode.”
De maneira didática, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão analisou os prós e contras do ativismo judicial – processo que tem sido chamado de “judicialização da vida” e cujas origens o magistrado detectou cronologicamente no pós-Guerra. “Devido às barbáries que ocorreram na Segunda Guerra, decidiu-se que o Judiciário seria o melhor canal para resolver os problemas e conflitos políticos e sociais”, explicou.
Tal fenômeno, de acordo com Salomão, ganhou força no Brasil com a Constituição de 1988, que reconheceu uma série de direitos sociais, com destaque à dignidade da pessoa humana. “O somatório de direitos enumerados pela Constituição e a ausência de políticas públicas para viabilizá-los resultaram, no país, em um processo de judicialização muito grande”, disse. “O dilema que o juiz enfrenta todos os dias é decidir-se entre uma posição de contenção ou de pró-atividade no julgamento dos casos”, frisou.
O ministro do STJ enumerou elementos que lhe parecem positivos no ativismo judicial, como a defesa de minorias que não encontram representação nas instâncias políticas e a exigência ao cumprimento de políticas públicas. Em contrapartida, Salomão reconhece que os juízes não possuem “legitimidade democrática” ao determinar o cumprimento de certas decisões, uma vez que não foram eleitos e não têm condições de avaliar a vontade do povo. Outro aspecto negativo seria a politização do Judiciário, além da influência da mídia.
A grande margem de interpretação e ativismo dos juízes cria ainda outros problemas, como ressaltou o membro honário vitalício do Conselho Federal da OAB Marcus Vinicius Furtado Coêlho. “O direito não pode ser uma loteria. O momento mais importante do processo judicial não pode ser sua distribuição para a turma A ou B do STF, para o juiz que pensa assim ou pensa assado. Queremos que todos os brasileiros tenham o princípio da isonomia respeitado”, afirmou.
De acordo com Coêlho, o Poder Judiciário deve exercer uma “função pedagógica”, mostrando à sociedade que as decisões são coerentes com o conceito de igualdade dos cidadãos perante a lei. “Isso fará com que aja, inclusive, uma diminuição no número de litígios em nosso país. O fato de termos uma grande ocorrência de reinterpretações fará com que tenhamos no país mais e mais processos”, afirma.
“Hoje, temos 100 milhões de processos tramitando no país”, continuou Coêlho. “Se o cidadão entende que pode haver tratamento desigual para situações iguais e que os precedentes dos tribunais às vezes não são respeitados nem pelos próprios tribunais, ele obviamente vai recorrer à Justiça em busca de direitos”, concluiu.
Igualdade de direitos
O painel sobre dignidade humana encerrou-se com a intervenção de Victoria Ortega, presidente do Conselho Geral da Advocacia Espanhola. Primeira mulher a ocupar a direção da instituição no país em mais de 75 anos de história, Ortega falou sobre a igualdade de direitos entre homens e mulheres não apenas na Espanha, mas no mundo – uma reivindicação que, apesar dos avanços pontuais em algumas áreas e nações, ainda não se fez realidade.
“Vivemos um momento histórico em que se discrimina metade da população mundial: as mulheres”, considerou, insistindo que, ao contrários de outros coletivos vítimas de preconceito, violência e discriminação, as mulheres não são minoria. “Temos que implementar seriamente os direitos femininos. Queremos ocupar postos de liderança, não apenas ser convidadas para inaugurações.”