Painel 15 – Os desafios da integração em debate sobre presente e futuro do direito internacional
São Paulo - Como fazer valer direitos universais quando o mundo é fragmentado em jurisdições com conceitos distintos, por vezes até antagônicos, de Justiça e processo jurídico? O Painel 15 da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, “Presente e Futuro do Direito Internacional”, reuniu especialistas brasileiros e de outros países para discutir as características do mosaico legal contido pelas fronteiras nacionais e como melhorar a sinergia entre esses sistemas. O encontro foi na manhã desta terça-feira (28).
Compuseram a mesa Carlos Ayala Corao, professor da Universidade Central de Venezuela; Francisco Rezek, ministro aposentado do STF e ex-ministro das Relações Exteriores; Lorenzo Bujosa Vadell, da Universidade de Salamanca; Belisário dos Santos Jr., ex-secretário de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo; Beinusz Smukler, da Associação Interamericana de Juristas; Horácio Bernardes Neto, vice-presidente da International Bar Association; Maristela Basso, professora da USP; Paulo Lins e Silva, advogado.
Paulo Marcondes Brincas, presidente da OAB de Santa Catarina, dirigiu os trabalhos com relatoria de Marcelo Lovacat Galvão e a secretaria de Erik Limongi Sial. Os conferencistas expuseram concepções distintas sobre soberania e para os eixos centrais da ação do direito internacional. O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, compareceu ao evento para saudar a qualidade dos congressistas, responsáveis por tornar a XXIII Conferência Nacional da Advocacia no maior evento jurídico do mundo.
O professor Beniusz Smukler iniciou sua fala com uma homenagem pela entrega da medalha Rui Barbosa à advogada gaúcha Cléa Carpi, primeira mulher a receber o prêmio. Em sua participação, Smukler destacou dados sobre a atual situação socioeconômica do mundo e pontuou que as consequências de situações de profunda desigualdade são o desafio de maior escala para o direito internacional no século 21. Para ele, o problema é o desrespeito à soberania dos povos por parte das corporações, cujos interesses se sobrepõem aos direitos sociais.
“Atualmente, oito homens detêm a mesma riqueza que as 3,5 bilhões de pessoas mais pobres da humanidade. Mais de 21 milhões de pessoas são vítimas de trabalhos forçados; 758 milhões de adultos são analfabetos. Mais de 800 milhões de pessoas sofrem de fome crônica e 2 bilhões de pessoas estão subalimentadas. Mais de 650 milhões de pessoas seguirão passando fome em 2030, e, no ritmo atual de distribuição de renda, não resolveremos a situação sequer até 2050. A crise dos refugiados torna ainda mais graves todas essas situações, sobretudo quando há leis que impedem o livre trânsito de imigrantes”, resumiu.
Já a professora Maristela Basso, da Universidade de São Paulo, considerou que o eixo central para a práxis do Direito internacional no século 21 não está necessariamente na garantia de direitos sociais, mas na contenção dos crimes contra a humanidade. Para ela, se no século passado essa área se pautava por arbitrar situações de guerra entre países, hoje a violência contra o ser humano em escala massiva tem origem nos conflitos internos aos países, entre tribos e facções.
“Na Primeira Guerra Mundial, 5% das fatalidades foram de civis. Na Segunda Guerra Mundial, 66% das fatalidades foram de civis. Nos conflitos pelo mundo hoje, 90% das vítimas são civis”, afirmou. Por isso, segundo a professora, é necessário superar a noção de que a soberania dos governos locais está acima dos direitos humanos considerados universais. “Crimes como o assassinato e a desumanização não são ‘problema do outro’, e precisam ser encarados pela família humana como crimes contra todos nós”, explicou.
Maristela defendeu medidas como intervenções militares externas --para os quais, segundo ela, o Exército brasileiro é um dos mais bem preparados do mundo-- e a criação de um tribunal penal internacional capaz de efetivamente julgar crimes contra a humanidade.
Direitos humanos no âmbito internacional
Belisário dos Santos Jr., ex-secretário de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo e integrante da Comissão Internacional de Juristas, reforçou a importância de auxiliar pessoas desamparadas pelos sistemas jurídicos de seus países por meio do relato de sua experiência nos tribunais de reparação de El Salvador, após mais de uma década de guerra civil no país (1980-1992).
“Os tribunais que criamos não têm jurisdição, e, portanto, não garantem indenização financeira. Porém, apenas por haver um espaço de arbitragem em que os agentes são realmente imparciais já atende a uma primeira demanda da vítima da violência, que é ser ouvida. O trabalho desses tribunais certamente inspirará tribunais formais quando a situação social permitir que eles se reformem”, afirmou. “Nosso Código de Ética diz que somos os defensores do Estado Democrático de Direito, da cidadania, da moralidade pública e da paz social. Portanto, quando defendemos um cliente, por tabela, defendemos a justiça e a democracia.”
O ministro aposentado do STF Francisco Rezek, ministro das Relações Exteriores no governo Fernando Collor (1990-1992), refletiu sobre os critérios subjetivos que envolvem a definição do que são direitos humanos. “Todo direito é humano. Não existe direito vegetal ou mineral”, disse. “Algumas semanas atrás, deu-se uma decisão judicial determinando que o Ministério da Educação tirasse dos examinadores do Enem a prerrogativa de zerar a prova do aluno que desrespeitar os direitos humanos na sua redação. Mas há aí um conflito: e o direito essencialmente humano daquele candidato de dizer o que pensa? Se disser asneiras, terá uma nota baixa. Mas não podemos dar a todos os examinadores no fundão do Brasil esse poder draconiano”, ponderou.
Rezek utilizou como exemplo o direito ao foro privilegiado de parlamentares, ministros e chefes de Executivo. “Acredito que 99% dos brasileiros seja contra esse direito --que é, essencialmente, um dos direitos ‘humanos’. Então, se um candidato escrever uma redação com críticas a esse mecanismo, será desclassificado? Podemos imaginar um examinador do Enem dizendo ‘aí, não!’, mas esse é o problema. Direito não é busca frenética do politicamente correto, não é realismo fantástico. É ciência. A incompreensão disso é um problema seríssimo que divide sociedades e a própria sociedade brasileira, gera essa situação de direitos humanos ‘do meu lado’ contra os direitos humanos ‘do lado de lá’”, disse.
Para o jurista, essa questão deve ser debatida antes ainda de assumir como verdade absoluta que os valores e critérios do direito estão ou serão universalizado: “Temos hoje 193 soberanias a serem respeitadas no planeta, contando a Palestina, sobretudo em seu direito de insubmissão. Vivemos e seguiremos vivendo por um bom tempo ainda em um mundo descentralizado”, disse.
Direito internacional
O aspecto mercadológico do direito internacional também foi debatido. Horácio Bernardes Neto, vice-presidente da IBA (International Bar Association), ressaltou como há, entre os países, diferenças inclusive no que diz respeito a quais são as funções do advogado e quem pode exercê-las.
“O Brasil é vanguarda mundial por ter uma entidade independente do governo, do Poder Executivo, para a admissão e disciplina de advogados”, afirmou, ressaltando que apenas 26% das nações do mundo têm uma entidade independente, como a OAB, para representar os operadores da lei. Há ainda países como a Colômbia, onde o bacharel pode advogar sem licença especial, ou como a Suécia, onde não há exigência de formação na advocacia --ou seja, cidadãos de qualquer formação podem ser nomeados advogados em um processo.
Em um cenário em que as corporações, maiores clientes transnacionais da advocacia, buscam soluções globalizadas e integradas para seus problemas, é necessário debater esses critérios para o exercício da profissão e composição dos escritórios. “Nos Estados Unidos, as grandes consultorias, as chamadas big four (Ernst&Young, KPMG, Deloitte e PwC), já oferecem serviço de consultoria jurídica em pacotes de assessoramento integrado. Temos o Legal Zoom, que inclusive já está no Brasil, que oferece assessoramento por inteligência artificial para seus clientes. Para esse serviço, simplesmente não há regulamentação nenhuma”, refletiu. Outras novidades que surgem na onda pela abertura do mercado jurídico são os escritórios que não apenas não têm advogados como sócios, mas têm capital aberto.
Os consórcios de Estados nacionais, como a União Europeia, já buscam sincronizar seus regulamentos e processos para absorver essa nova realidade. O professor Lorenzo Bujosa Vadell, da Universidade de Salamanca, relatou como a União Europeia tem tentado integrar seus sistemas de proteção ao direito do consumidor de forma a acompanhar a integração econômica no continente.
“Na Europa temos problemas com uma parte do Direito na qual o Brasil está na vanguarda mundial, que são os processos coletivos. Na Europa, temos tentado uma maior aplicação de processos coletivos, mas sem muito sucesso. Nessa vertente, a União Europeia só tem chegado a uma recomendação: tem sido muito discutido como fazer, concretizar o litígio coletivo, mas as negociações só conquistaram, até agora, uma resolução indicando critérios para esses processos. A situação é muito frustrante para quem acredita que os processos coletivos podem ser uma solução em tempos de massificação de produtos e problemas. Devemos olhar mais a experiência brasileira de tutela coletiva para avançarmos nesse tipo de processo”, disse.