BB banca despesas de tribunal em troca de depósitos judiciais

domingo, 18 de dezembro de 2005 às 09:15

Brasília, 18/12/2005 - O Conselho Nacional de Justiça quer tirar do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal a exclusividade pela gestão de mais de R$ 50 bilhões em depósitos judiciais. A discussão faz parte de um conjunto de propostas que pretendem definir uma política financeira e administrativa para o Judiciário, com fontes autônomas de receitas e diretrizes comuns aos tribunais de todo o País. Os depósitos judiciais representam fatia importante nos lucros anuais dos bancos e no próprio orçamento do Poder Judiciário.

Tão importante que, para manter essa exclusividade, o Banco do Brasil mantém no Rio de Janeiro, desde outubro de 2003, um convênio com o Tribunal de Justiça do Estado, pelo qual lhe dá ''apoio financeiro'' de cerca de R$ 169,8 milhões. Em troca, tem sob controle cerca de R$ 3 bilhões - o total dos depósitos judiciais tutelados pelo TJ fluminense. Nos termos do convênio, ao qual o Estado teve acesso , o BB ajuda o tribunal na reforma do Tribunal de Alçada, na renovação do sistema de computadores e em despesas que incluem até ''cerimônias oficiais promovidas pelo gabinete da presidência (do TJ)''.

O desembargador Marcus Antonio de Souza Faver, presidente da 18ª Câmara Cível do Rio e coordenador da Comissão de Fundos de Financiamento, Depósitos Judiciais e Custas, do Conselho Nacional de Justiça, admite que rediscutir a exclusividade desses depósitos nos bancos oficiais é assunto ''delicado'', mas a discussão a respeito ''já começou''.

O caminho mais rápido para a autogestão definitiva do Judiciário, diz ele, passa pela massa gigantesca de depósitos judiciais, dinheiro que os contribuintes dão em garantia nos processos que ainda serão julgados.''Pela legislação atual, os depósitos judiciais devem ficar em bancos oficiais'', afirma o desembargador Jessé Torres Pereira Júnior, gerente do Fundo Especial do Tribunal de Justiça do Rio. ''Se fosse possível a transferência para bancos privados, faríamos um leilão e com certeza arrecadaríamos muito mais.'' Hoje, os depósitos pagam apenas o equivalente à poupança -a taxa referencial mais 0,5% de juros ao mês. No Tribunal de Justiça do Rio e em outros tribunais do País tem ocorrido uma peregrinação de bancos particulares interessados naqueles recursos.

Só na Caixa Econômica Federal existem R$ 19,8 bilhões à espera de decisões da Justiça Federal -dos quais R$ 7,6 bilhões em São Paulo. A maior parte dessas ações envolve questões tributárias que levam anos - às vezes, décadas - até a sentença final. Nos tribunais estaduais, a estimativa é que existam outros R$ 15 bilhões em depósitos. Na Justiça do Trabalho, pelo menos R$ 10 bilhões, a maior parte no Banco do Brasil ou em bancos privatizados. Em tribunais superiores, os volumes são da mesma ordem.

Administrar esses recursos significa uma alta taxa de retorno, obtida com a diferença entre os juros previstos na lei para esse tipo de depósito e a valorização real do dinheiro no mercado financeiro em aplicações de longo prazo. Responsável pelos estudos e pelas propostas que depois serão levadas ao plenário do conselho, Marcus Faver reconhece que em vários tribunais existe a sensação de que ''não é justo os bancos lucrarem tanto com um dinheiro que é de responsabilidade da Justiça''.

O Banco do Brasil remunera com a TR mais 0,5% ao mês os R$ 3 bilhões em depósitos judiciais do TJ do Rio. Uma simulação do site do banco mostra que um depósito de R$ 10 milhões com previsão de resgate em cinco anos renderá 51,2% na época do saque. Um cálculo básico mostra que esse mesmo depósito, aplicado num fundo conservador, rendendo 1% ao mês, daria só de juros (sem a TR) 81,7% nesses 5 anos. Os R$ 10 milhões dariam R$ 18,2 milhões.

''Se o contribuinte que depositou o dinheiro vencer a demanda judicial vai receber bem menos do que receberia se aplicasse o dinheiro no mercado financeiro'', compara Hélio Fraga, analista de investimentos do IBMEC. ''É a pior aplicação que alguém poderia fazer.'' Já um importante advogado tributário do Rio, com centenas de processos envolvendo depósitos judiciais, considera ''tão grave quanto isso'' a pretensão do Judiciário de dividir os lucros com os bancos. ''Até o fim do processo, o dinheiro depositado pertence ao contribuinte e apenas a ele'', defende o advogado, sob a condição de anonimato. ''Não vejo sustentação legal ou moral para que os bancos ou o Judiciário se apropriem de lucros gerados por algo que não lhes pertence.'' ( A matéria é de autoria do repórter Robson Pereira do jornal O Estado de S.Paulo )