Congresso discute os impactos na legislação e no sistema judiciário provocados pela pandemia
Vários temas que afetam o direito, os impactos na legislação
e o funcionamento do sistema judiciário foram discutidos no “I Congresso
Digital Covid-19: Repercussão Jurídicas e Sociais da pandemia” durante a
realização dos painéis nesta segunda-feira (27).
O painel “As (in)Constitucionalidades da Legislação no
período da Pandemia” tratou das mudanças nas leis que impactaram o trabalhador,
tais como adoção e regularização do trabalho remoto, antecipação de férias,
suspensão de contratos de trabalho, entre outros. A presidente da Associação
Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT), Alessandra Camarano, pontuou que
as decisões tomadas no período ferem o texto constitucional, que coloca como
prioridade a dignidade da pessoa humana. “A advocacia e os construtores do
direito do trabalho devem estar com o olhar atento as essas novas legislações
que destroem o cerne do direito do trabalho, que é seu esquema protetivo”,
pontuou.
Já a presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Cristina
Peduzzi, entende que as alterações foram uma resposta rápida e necessária à
nova realidade imposta pela pandemia.
“Não é possível manter a mesma interpretação da ordem jurídica anterior
naquilo que foi modificado. É preciso sempre considerar os direitos
fundamentais, sim, mas com um olhar apurado para as mudanças concretas que a
sociedade e os indivíduos vivem. Caso contrário viveremos uma universalização
de princípios totalmente ilusória e distante da realidade”, afirmou.
Funcionamento do Judiciário
O painel “As Ações e o Funcionamento do Judiciário em tempos
de Pandemia” teve, como moderador, o conselheiro do CNJ, André Godinho, e
contou com a participação dos conselheiros Rubens Canuto e Tânia Reckziegel. À
frente dos debates, esteve o Corregedor Nacional de Justiça, ministro Humberto
Martins, que iniciou destacando a necessidade do ordenamento jurídico reger
novas formas de atuação em razão da pandemia da covid-19.
“Em linhas gerais, na pandemia e na pós-pandemia, o Poder
Judiciário deve agir em três frentes: minimizar os efeitos da judicialização
advindos da crise, oferecer aos cidadãos o mais amplo acesso à Justiça, neste
momento de dificuldade, e trabalhar com vistas ao funcionamento e aos
resultados eficientes para a adequada prestação jurisdicional, contando não
apenas com as forças habituais, mas com o auxílio dos demais operadores do
direito e dos meios consensuais de solução de controvérsias”, avaliou Martins.
Direito Penal e sistema carcerário
As Repercussões da Pandemia no Direito Penal foi tema de
painel que teve a participação dos ministros do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) Antônio Saldanha Palheiro, Jorge Mussi e Reynaldo Soares da Fonseca. Eles
abordaram a situação extraordinária vivenciada pelo mundo, em razão da
pandemia, e lembraram que o Judiciário tem enfrentado de forma adequada a
situação, por meio de medidas pontuais, como adoção do regime aberto, prisão
domiciliar, diminuição da circulação de pessoas, videoconferência, suspensão de
apresentação em juízo, proteção dos grupos de risco, entre outros.
A explanação ressaltou ainda que a advocacia é construtora
do Estado Democrático de Direito, sendo, portanto, função essencial à
administração da Justiça. O painel também tratou da necessidade de evitar a
naturalização dos padrões preconceituosos e a importância do acesso à Justiça
pela mediação, conciliação e arbitragem. A superlotação carcerária brasileira e
o Estado de Coisas Inconstitucional, assim como o aumento de 22% de feminicídios
registrados no país desde o início da pandemia, também foram assuntos
retratados.
Moderado pelo presidente da OAB-AM, Marco Aurélio de Lima
Choy, o painel “Pandemia, crimes contra a saúde e sistema carcerário” teve como
foco a questão encarceramento no contexto atual. Entre os tópicos abordados
estavam as possíveis medidas para evitar o sobrecarregamento do sistema
prisional, bem como a avaliação do papel do Direito Penal em casos de crise
sanitária.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça, Rogério Schietti
ressaltou que é importante ter um olhar mais cuidadoso para as medidas
socioeducativas, reservando o encarceramento como último recurso. “Por trás de
todo processo penal existe um conflito permanente entre o direito à liberdade,
daquele que está sendo processado e que possa eventualmente ser punido, e o
direito à segurança da coletividade”, ponderou.
Negociação de contrato
Como a pandemia afeta os contratos, principalmente se uma
das partes não tem condições de cumprir com as suas obrigações? Essa foi a
discussão central do painel “Dever de renegociar”. O ministro do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), Marco Aurélio Bellizze, destacou que o tema é
complexo pois tem inúmeras variáveis. “O nosso Código Civil foi muito seco em
matéria de contrato. Ele trata da proposta e da aceitação. Em nenhum momento
trata da negociação. E, se ele não trata de negociação, como poderia tratar da
renegociação de contratos?”, questiona. Para ele, a grande questão é como seria
exercível na prática a questão da negociação, uma vez que é improvável que haja
uma solução única aplicável a todos os contextos.
“Contrato não é visto como uma parte contra a outra. Essa é
uma visão ultrapassada. As duas partes juntas devem chegar ao que é ideal. Se
no meio do caminho sobreveio um fato que quebrou aquele ideal, é muito razoável
que as duas busquem uma solução”, ponderou o advogado José Roberto de Castro
Neves, professor da PUC/RJ. Segundo o professor, a mudança de contexto é um
momento em que se faz necessário trazer essa conversa para a mesa.
O primeiro dia do congresso teve a participação da
vice-presidente da OAB-PE, Ingrid Zanella, no painel “Os Impactos da COVID-19
no Direito Administrativo” e a contribuição do membro honorário vitalício,
Ophir Cavalcante Júnior, no debate “A Crise do Federalismo em Estado de
Calamidade”.