Nota sobre a garantia de proteção a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual
Manifestação conjunta do Conanda, da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e da Comissão Nacional da Mulher Advogada da OAB Nacional e do FCNCT sobre a garantia de proteção a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
- CONANDA instância máxima de formulação, deliberação e controle das políticas
públicas para a infância e a adolescência na esfera federal, criado pela Lei nº
8.242 de 1991, sendo o órgão responsável por tornar efetivos os direitos,
princípios e diretrizes contidos na Lei nº 8.069 de 1990, a Comissão de Defesa
dos Direitos da Criança e do Adolescente e a Comissão Nacional da Mulher
Advogada do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e o Fórum
Colegiado Nacional de Conselheiros Tutelares - FCNCT, manifestam-se sobre a
responsabilidade do Estado na garantia de proteção a crianças e adolescentes
vítimas de violência sexual que demandam o procedimento de aborto seguro para a
garantia de suas vidas, como no recente caso de menina de dez anos que foi
engravidada no Espírito Santo, depois de anos de estupros e violações
perpetrados por seu tio.
Considerando que o artigo 227 da Constituição Federal de
1988 estabelece a absoluta prioridade dos direitos de crianças e adolescentes,
os quais são responsabilidade compartilhada entre Estado, família e sociedade;
Considerando que o Estatuto da Criança e do Adolescente -
Lei 8.069/1990 (ECA) reconhece crianças e adolescentes como pessoas em peculiar
condição de desenvolvimento e como sujeitos de direitos, dignas de receber
proteção integral e de ter garantido seu melhor interesse e, por isso,
estabelece que seus direitos devem ser promovidos e protegidos em primeiro
lugar, de forma absolutamente prioritária, inclusive no âmbito de políticas,
orçamento e serviços públicos;
Considerando que o ECA também prevê em seu artigo 5° que
nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da
lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais, bem
como que, conforme o artigo 17, o direito ao respeito consiste na
inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do
adolescente, abrangendo a preservação da imagem e da identidade;
Considerando que o Código Penal, Decreto Lei 2.849 de 1940,
reconhece que o aborto é legal quando a) a vida da gestante está em risco e/ou
b) se a gravidez resulta de estupro, conforme dispõe o artigo 128, incisos I e
II;
Considerando que o abuso sexual de crianças e adolescentes é
um crime de extrema gravidade, podendo ser caracterizado como o uso de crianças
ou adolescentes por um adulto para a sua satisfação sexual, o qual é tipificado
como estupro de vulnerável no artigo 217-A do Código Penal;
Considerando que ainda há no Brasil um processo de
silenciamento e inviabilização do abuso sexual intrafamiliar e extrafamiliar de
crianças e adolescentes, havendo uma subnotificação dos casos aos órgãos
públicos, que segundo estatisticas oficiais do Anuário Brasileiro de Segurança
Pública, a cada hora, quatro meninas brasileiras de até 13 anos são estupradas;
Considerando que tal violência cria marcas e gera graves
consequências no desenvolvimento biopsicossocial das vítimas, podendo produzir
traumas que interferem ao longo de toda vida, sendo que o sofrimento causado
pelo abuso sexual de crianças e adolescentes ainda se torna mais intenso e
grave quando a vítima engravida do agressor, especialmente em situações de
incesto, sendo uma situação que revela uma dupla violência e agressão aos
direitos das crianças e adolescentes;
Por todo o exposto, o CONANDA, o CFOAB e o FCNCT:
1. Manifestam
sua solidariedade com a criança vítima de violência sexual reiterada, com os
profissionais da saúde envolvidos na manutenção da vida da criança.
2. Exigem
respeito ao direitos da criança e do adolescente terem sua dignidade, suas necessidades,
seus interesses e sua privacidade respeitados e protegidos, incluída a
inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral e a preservação da
imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, das ideias, das crenças, dos
espaços e dos objetos pessoais, conforme expressa o 2º, inciso VIII, do Decreto
9603 de 2018.
3. Reafirmam
o direito ao aborto seguro nos casos de violência sexual contra crianças e
adolescentes sem a necessidade de autorização judicial, visto que há tanto o
risco à vida da vítima que ainda está em um momento decisivo e fundamental do
desenvolvimento, quanto ao fato da concepção ser resultado de um estupro.
4. Indicam
a necessidade de apoio assistencial e psicológico à vítima e à família, sendo
necessário apoiar essa criança e seus familiares com equipe multidisciplinar,
para que possa superar o trauma instalado em suas vidas.
5. Indicam
que o caso precisa ser apurado e o agressor responsabilizado dentro dos rigores
da lei.
6. Ressaltam
a urgência de que a desigualdade de gênero seja reconhecida e enfrentada desde
a infância e adolescência, especialmente por meio de políticas, orçamento e
serviços públicos que incluam educação sexual para decidir, anticoncepcionais
para não abortar, e aborto legal para não morrer.
7. Manifestam
grande preocupação frente os atos que se seguiram à noticia da gravidez da
criança de dez anos no Espírito Santo, especialmente a divulgação de dados
sobre a criança, o hospital e o médico envolvido no procedimento, configurando
violação ao segredo de justiça que rege todo o procedimento, devendo, pois, ser
apurada a responsabilidade por tais violações na forma dos artigos 153 e 325 do
Código Penal, e do artigo 24 da Lei 13.431 de 2017.
8. Consignam
repúdio pelas ações contrárias que tomaram vulto física e virtualmente no dia
16 de agosto de 2020, com o objetivo de criminalizar a criança e a equipe
médica, assim como a própria justiça, especialmente porque se tirou o foco do
abusador e passou-o a criança, enquanto aquele engendrava sua fuga, numa
demonstração cabal de inversão de valores.
9. Alertam
que é responsabilidade do Estado, nos termos da Lei 13.431 de 2017 e do Decreto
9603 de 2018, prevenir os atos de violência contra crianças e adolescentes;
fazer cessar a violência quando esta ocorrer; prevenir a reiteração da
violência já ocorrida; promover o atendimento de crianças e adolescentes para
minimizar as sequelas da violência sofrida; e promover a reparação integral dos
direitos da criança e do adolescente.
Afirmam que o machismo, o sexismo, a misoginia não podem ser
aceitos e naturalizados, destacando que a vítima nunca é a culpada e que não
tem como garantir os direitos de crianças e adolescentes sem assegurar os
direitos de mulheres.
Iolete Ribeiro da Silva
Presidente Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA
Presidente Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB
Graziela Cristina Luiz Damaceno Gabriel
Coordenadora de Relações Institucionais Fórum Colegiado Nacional de Conselheiros Tutelares - FCNCT
Glicia Thais Salmeron de Miranda
Conselheira Federal Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB
Confira a íntegra do documento
Também assinam a nota:
Comissão da Mulher Advogada - OAB-PR
Comissão da Mulher Advogada - OAB-AM
Comissão da Mulher Advogada - OAB- SC
Comissão da Mulher Advogada - OAB-PI
Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher - OAB-SE
Comissão da Infância, Adolescência e Juventude - OAB-SE
Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - OAB-PA