Superior Tribunal Militar terá primeira mulher no dia 27
Brasília, 18/03/2007 - A procuradora federal Maria Elizabeth Teixeira Rocha, de 47 anos, vai quebrar um tabu e fazer história no próximo dia 27. Será a primeira mulher, em quase 200 anos, a ocupar uma vaga de ministra do fechado Superior Tribunal Militar (STM), o órgão mais importante da Justiça Militar. Petista de coração e eleitora de Luiz Inácio Lula da Silva desde 1989, Elizabeth Rocha foi indicada pelo presidente Lula. Há quatro anos na assessoria jurídica da Casa Civil, ela entrou para o cargo quando o ministro era José Dirceu. O presidente Lula já nomeou mulheres para o Supremo Tribunal Federal e para o Superior Tribunal de Justiça.
Por ser mulher e afinada com o PT, a procuradora não deixa de enfrentar uma discreta resistência em rodas militares e também civis. — Quebrar um tabu é sempre difícil. Deslocamento de privilégio sempre causa resistência. Que bom ser eu e não outra. Não me intimida — disse, em entrevista ao Globo.
O presidente do Clube Militar, general da reserva Gilberto Figueiredo, elogiou Elizabeth e disse que ela é uma advogada muito competente. Mas ele detectou algumas resistências : — As mulheres estão em todos os tribunais. Considero normal sua indicação, apesar de receber mensagens de alguns companheiros preocupados. Alguns demoram a absorver.
Advogada é casada com general da reserva
O convívio militar não chega a ser estranho à vida de Elizabeth, o que ajuda a dissipar as resistências. Ela é casada há 18 anos com o general da reserva Romeu Ribeiro Bastos, secretário de Administração da Presidência da República. Um general diferente, que tem um irmão, Paulo Ribeiro Bastos, que é desaparecido político e exativista do MR-8.
Bem-humorada, a procuradora dá um toque institucional na sua relação com o marido.
— Eu sou a prova da consolidação da democracia no país: uma comunista casada com um general — disse Maria Elizabeth.
Fui indicada pelo meu currículo
A primeira ministra do Superior Tribunal Militar diz que não há com o que se preocupar pelo fato de ser ideologicamente alinhada com a esquerda. Ela sustenta que nem mesmo sua proximidade com o Palácio do Planalto vai afetar seu trabalho no tribunal, última instância da Justiça Militar. — Chegaram a dizer que o Lula me nomeou por imposição dos militares. Tenho plena convicção de dizer, sem pretensão, que fui indicada pelo meu currículo. E julgar é um trabalho que exige isenção.
Maria Elizabeth já foi sabatinada pelo Senado e seu nome foi aprovado sem ressalvas. Ela recebeu elogios até de duros opositores do governo, como Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Artur Virgílio (PSDB-AM). A julgar pelos depoimentos públicos, a indicação de Elizabeth tem conseguido conter eventuais reações. O comandante do Exército, general Enzo Peri, elogiou. — É muito significativo a presença da primeira mulher no STM. Trata-se de uma pessoa capaz, séria e que vai dar uma grande contribuição ao tribunal — disse o general Enzo.
O ministro da Defesa, Waldir Pires, também aprovou: — Acho excelente. Todas as instituições brasileiras deveriam contar com a presença de pelo menos uma mulher. Dois ministros do STM, um civil e outro militar, também comentaram a presença de Elizabeth na Corte. — Já estava passando da hora. Ela vem para abrandar os corações dos juízes — disse o ministro togado Carlos Alberto Soares.
“O comunismo está fora da moda”, diz general
O general Valdesio Guilherme, que fará o discurso de saudação a Elizabeth na posse, afirmou: — Não tenho ranço nenhum. O presidente indicou uma ministra comunista para cá?! Ele indica quem quiser. Por enquanto o comunismo está tão fora da moda. Não existe em lugar nenhum do mundo a não ser na cabeça dos brasileiros.
Elizabeth é doutora em direito constitucional. Na Casa Civil, trabalhou em vários assuntos ligados aos direitos humanos, como regulamentação dos quilombolas. Ela integrou a delegação do governo que discutiu na Organização Mundial do Comércio (OMC) a disputa entre Brasil e União Européia sobre pneus usados. Uma vitória brasileira.
O STM foi criado há 198 anos pelo príncipe regente D. João. Durante o Império e o início da República, era presidido pelos chefes de Estado e pelos presidentes. Pela cadeira da presidência do tribunal já passaram os imperadores D. Pedro I e Dom Pedro II e também o Marechal Deodoro e Marechal Floriano. O STM hoje é composto por dez oficiais do Exército, Marinha e Aeronáutica e por cinco civis. (A matéria é de autoria do repórter Evandro Éboli e foi publicada hoje no jornal O Globo)