OAB Nacional ajuiza Adin contra lei do processo eletrônico
Brasília, 30/03/2007 - O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou hoje (30) no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) número 3880, com pedido de liminar, requerendo a declaração de ilegalidade de vários artigos da Lei nº 11.419, que dispõe sobre a informatização do processo judicial. Na avaliação da entidade, vários dos artigos da referida lei, datada de 19 de dezembro de 2006, agridem as prerrogativas constitucionais da OAB e ferem o princípio da proporcionalidade. A Adin é assinada pelo presidente nacional da OAB, Cezar Britto, e a matéria foi examinada no Pleno da entidade da advocacia na sessão do último dia 13, em Brasília.
O primeiro dos dispositivos contestados é o artigo 1º, III, “b”, da Lei nº 11.419, que prevê que a assinatura sem o uso de certificação digital para o tráfego de comunicação de atos e transmissão de peças processuais serão obtidas perante o Judiciário, “mediante cadastro prévio de usuário - incluso advogados - conforme normas a serem editadas pelos seus órgãos respectivos”. A medida submete o advogado ao cadastramento no Poder Judiciário, além da sua inscrição na entidade que regula o seu exercício profissional, condicionando o acesso ao processo eletrônico à concessão da assinatura não certificada. No entendimento da OAB, a exigência “excessiva” para o livre exercício profissional viola o princípio da proporcionalidade.
“Além da afronta ao princípio da proporcionalidade e ao inciso XII do art. 5º da CF, o conflito com a lei que regulamenta o exercício da profissão ensejará o acesso à Justiça a um grupo de usuários, sem que se tenha a certeza de que sejam advogados, podendo não estar sequer habilitados ao exercício profissional”, afirma a entidade no texto da ação ajuizada.
O segundo dispositivo contestado pela OAB é o artigo 2º, que estabeleceu que “o envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica... sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.” Na opinião da OAB, a previsão de credenciamento prévio dos advogados, mediante identificação presencial do interessado, para fins de envio de petições e recurso por meio eletrônico, atinge a prerrogativa constitucional da OAB de ordenar os advogados brasileiros.
“Registrar e identificar os advogados é função da Ordem dos Advogados do Brasil, pela sua própria natureza. Daí, aqueles profissionais nela inscritos podem exercer a advocacia, independentemente de qualquer credenciamento noutro cadastro”, afirma a entidade no documento.
Os artigos 4º e 5º da mesma lei, que prevêem, respectivamente, que o diário de justiça eletrônico substitui qualquer outro meio e publicação oficial e que as intimações de advogados se darão eletronicamente em portal próprio aos que se cadastrarem, também são apontados como inconstitucionais pela OAB. Quanto ao artigo 4º, a entidade afirma que o acesso dos advogados à rede mundial de computadores ainda é baixo e que a publicidade dos atos processuais, constitucionalmente exigida, deveria ser examinada segundo a realidade nacional. Quanto ao artigo 5º, a OAB entende que a intimação dos advogados por meio eletrônico, eliminada a publicação em papel, fere de morte o princípio da publicidade.
Por fim, a entidade questiona o artigo 18 da referida lei, que estabelece que a Lei será regulamentada por órgãos do Poder Judiciário. A OAB lembra, quanto a este item, que regulamentação de lei é privativa do presidente da República, conforme está no teor do artigo 84, IV, da Lei Fundamental. Na ação, a OAB pede que seja suspensa liminarmente a eficácia dos artigos contestados e reivindica que seja declarada a sua inconstitucionalidade.
A seguir, a íntegra da Adin ajuizada hoje pelo presidente nacional da OAB, Cezar Britto, junto ao STF:
"EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, serviço público dotado de personalidade jurídica, regulamentado pela Lei 8906, com sede no Edifício da Ordem dos Advogados, Setor de Autarquias Sul, Quadra 05, desta Capital, por meio de seu Presidente (doc. 01), vem, nos termos do artigo 103, VII, da Constituição Federal, ajuizar
ação direta de inconstitucionalidade,
com pedido de liminar,
contra os artigos 1º, III, “b”, 2º, 4º, 5º e 18 da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 (doc. 02).
As normas impugnadas
Detêm o seguinte teor os preceitos impugnados:
“Art. 1º O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei.
(...)
III - assinatura eletrônica as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário:
a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei específica;
b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.
(...)
“Art. 2o O envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica, na forma do art. 1o desta Lei, sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.
§ 1o O credenciamento no Poder Judiciário será realizado mediante procedimento no qual esteja assegurada a adequada identificação presencial do interessado.
§ 2o Ao credenciado será atribuído registro e meio de acesso ao sistema, de modo a preservar o sigilo, a identificação e a autenticidade de suas comunicações.
§ 3o Os órgãos do Poder Judiciário poderão criar um cadastro único para o credenciamento previsto neste artigo.”
(...)
“Art. 4o Os tribunais poderão criar Diário da Justiça eletrônico, disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral.
§ 1o O sítio e o conteúdo das publicações de que trata este artigo deverão ser assinados digitalmente com base em certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada na forma da lei específica.
§ 2o A publicação eletrônica na forma deste artigo substitui qualquer outro meio e publicação oficial, para quaisquer efeitos legais, à exceção dos casos que, por lei, exigem intimação ou vista pessoal.
§ 3o Considera-se como data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico.
§ 4o Os prazos processuais terão início no primeiro dia útil que seguir ao considerado como data da publicação.
§ 5o A criação do Diário da Justiça eletrônico deverá ser acompanhada de ampla divulgação, e o ato administrativo correspondente será publicado durante 30 (trinta) dias no diário oficial em uso.”
“Art. 5o As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2o desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico.
§ 1o Considerar-se-á realizada a intimação no dia em que o intimando efetivar a consulta eletrônica ao teor da intimação, certificando-se nos autos a sua realização.
§ 2o Na hipótese do § 1o deste artigo, nos casos em que a consulta se dê em dia não útil, a intimação será considerada como realizada no primeiro dia útil seguinte.
§ 3o A consulta referida nos §§ 1o e 2o deste artigo deverá ser feita em até 10 (dez) dias corridos contados da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo.
§ 4o Em caráter informativo, poderá ser efetivada remessa de correspondência eletrônica, comunicando o envio da intimação e a abertura automática do prazo.”
(...)
“Art. 18. Os órgãos do Poder Judiciário regulamentarão esta Lei, no que couber, no âmbito de suas respectivas competências.”
As inconstitucionalidades
As inconstitucionalidades dos artigos fustigados são as seguintes. O artigo 1º, III, “b”, ofende o princípio da proporcionalidade e o inciso XII do art. 5º da CF. O artigo 2º ofende os preceitos da Constituição Federal que tratam da Ordem dos Advogados do Brasil (artigos 93, I; 103, VII; 103-B, XII, § 6º; 129, § 3º; 130-A, V, § 4º) e seu artigo 133; os artigos 4º e 5º ofendem o artigo 5º, caput, e seu inciso LX, do Texto Magno, que garante a isonomia e impõe publicidade aos atos processuais; já o artigo 18 atenta contra o artigo 84, IV da Lei Fundamental, que estabelece competir ao Presidente da República regulamentar leis.
Artigo 1º
Depreende-se deste artigo que a Lei 11.419/2006 elegeu o meio eletrônico como via hábil para o tráfego de comunicação de atos e transmissão de peças processuais. A manifestação de vontade destes atos, através desta via, será expressa por meio de duas formas distintas de identificação inequívoca do signatário, conforme preceitua o item III do art. 1º. Sendo certo que cada uma delas terá um rito próprio, mediante entidades diversas para a obtenção do seu cadastramento. São elas:
a) a assinatura com uso de certificação digital, que será obtida perante Autoridade Certificadora credenciada na forma de lei específica, ora denominada como assinatura digital.
b) a assinatura sem o uso de certificação digital, ou seja, senhas, que serão obtidas perante o Judiciário, mediante cadastro prévio de usuário – incluso advogados – conforme normas a serem editadas pelos seus órgãos respectivos.
A primeira hipótese será operada através da ICP-OAB, que é a Autoridade Certificadora da Ordem dos Advogados do Brasil, que emitirá os certificados eletrônicos para seus inscritos, capacitando aqueles que estiverem no regular exercício da advocacia, para que assinem digitalmente os atos processuais pelo meio eletrônico.
Sobreleva a segunda hipótese, prevista na letra “b”, do item III, do art. 1º, que submete o advogado ao cadastramento no Poder Judiciário, além da sua inscrição da entidade que regulamenta o seu exercício profissional, condicionando o acesso ao processo eletrônico à concessão da assinatura não certificada.
Esta norma dissente ou conflita com o inciso XIII, do art. 5º da Constituição Federal, que garante ao cidadão o "livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".
As qualificações profissionais dos advogados definidas por lei estão dispostas na Lei 8906/94 (Estatuto da OAB).
Fica demonstrado que a regra da letra “b”, do item III, do art. 1º e do art. 2º que dispõem sobre cadastramento de advogado pelo Poder Judiciário vincula o exercício da profissão do advogado ao controle de dois órgãos diferentes.
O advogado terá que se submeter a uma carga excessiva para o exercício de sua profissão, pois, além de atender às qualificações profissionais estabelecidas por lei federal, que regulamentam a advocacia (Lei 8906), ficara ainda sujeito ao controle das normas a serem editadas pelo Judiciário, através dos seus órgãos respectivos (letra “b”, do item III, do art. 1º da Lei 11419/2006).
As exigências excessivas para o livre exercício profissional importam em ataque ao "princípio da proporcionalidade".
O Min. Gilmar Ferreira Mendes analisa com propriedade o princípio da proporcionalidade, nos seguintes termos:
"A doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade.
Essa nova orientação, que permitiu converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes), pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos (Geeignetheit) e a necessidade de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit). Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade ou razoabilidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade ou razoabilidade em sentido estrito).
O pressuposto da adequação (Geeignetheit) exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos. O requisito da necessidade ou da exigibilidade (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit) significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos. Assim, apenas o que é adequado pode ser necessário, mas o que é necessário não pode ser inadequado." (A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: Repertório IOB de Jurisprudência. 1ª quinzena de dezembro de 1994, nº 23/94, página 475)
Os meios excessivos de identificação do advogado para o exercício da profissão constituem ameaça aos direitos fundamentais do profissional. E esta será ainda mais preocupante se considerarmos que a maioria dos tribunais brasileiros ainda não se encontra suficientemente aparelhada para operar imediatamente com a assinatura com o uso da certificação digital. Há, pois, uma tendência de várias Cortes de criar restrições ao livre exercício da profissão, além das qualificações previstas na Lei 8906/94.
A prova mais expressiva dessa inconveniência está no fato de que a grande maioria dos órgãos do Poder Judiciário que implantou sistemas de informatização processual e que serviram de modelo para este novo ordenamento procedimental, utiliza a assinatura sem o uso da certificação digital, mediante senhas, criando cadastros de advogados próprios à margem de qualquer controle da OAB, para condicionar o acesso à Justiça.
Além da afronta ao princípio da proporcionalidade e ao inciso XII do art. 5º da CF, o conflito com a lei que regulamenta o exercício da profissão ensejará o acesso à Justiça a um grupo de usuários, sem que se tenha a certeza de que sejam advogados, podendo não estar sequer habilitados ao exercício profissional.
Artigo 2º
Prevê o artigo 2º da Lei 11.419 que “o envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica ... sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.” Estabelecem, por sua vez, os parágrafos do dispositivo que o credenciamento far-se-á “mediante ... identificação presencial do interessado”, prescrevendo ainda que “ao credenciado será atribuído registro e meio de acesso ao sistema”. Por derradeiro, determina a norma que “os órgãos do Poder Judiciário poderão criar cadastro único para o credenciamento.”
A previsão de credenciamento prévio no Poder Judiciário dos advogados, mediante identificação presencial do interessado, para fins de “envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico”, em lei que permite a instituição do processo eletrônico, está a atingir a prerrogativa constitucional da OAB de ordenar os advogados brasileiros.
Quando a Constituição Federal refere-se, em mais de um momento, à Ordem dos Advogados do Brasil (artigos 93, I; 103, VII; 103-B, XII, § 6º; 129, § 3º; 130-A, V, § 4º), restou constitucionalizada a instituição e tudo aquilo que ela significa. O sentido e alcance da OAB, como é ela compreendida e conformada pelas normas jurídicas e sociais, derivadas de um processo histórico-político próprio do País, passaram, desde 88, a deter status constitucional, não podendo norma infraconstitucional dispor em sentido diverso.
Pois bem. Dentre as funções da Ordem dos Advogados, que estão plasmadas em seu conceito constitucional, está a de ordenar os advogados, identificando-os e registrando-os (arts. 8º, 9º, 10, 11, 12, 13 e 14 da Lei 8906). A carteira da OAB, fruto desse registro, identifica o profissional nela inscrito, aponta seu número de registro e, ante “identificação presencial do interessado”, vincula, mediante a aposição da impressão digital, certa pessoa física à personalidade jurídica do advogado registrado. Registrar e identificar os advogados é função da Ordem dos Advogados do Brasil, pela sua própria natureza. Daí, aqueles profissionais nela inscritos podem exercer a advocacia, independentemente de qualquer credenciamento noutro cadastro.
O artigo 2º da Lei 11.419, porém, pretende exigir dos advogados um prévio credenciamento junto ao Poder Judiciário para o novel processo eletrônico; processo eletrônico que, assinale-se, acabará por substituir o processo físico nalgum tempo. Ocorre, porém, que a função de credenciar os advogados, identificando-os e registrando-os é exclusiva da OAB. Cabe somente à Ordem tal função e, realizada pela Ordem, não pode o Poder Judiciário exigir, para o exercício da advocacia eletrônica, um plus: um credenciamento do já credenciado advogado.
A pretensão do preceito legal impugnado nesta ação direta de inconstitucionalidade de levar para as Corte Judiciárias a identificação virtual dos advogado brasileiros, subtraindo-a da OAB, é, pois, inconstitucional.
A inconstitucionalidade se exacerba, quando se atenta para a circunstância de que a norma prevê, no parágrafo terceiro do artigo 2º, que os órgãos do Poder Judiciário poderão criar um cadastro único dos advogados; cadastro que, pela natureza da advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil é elaborado pela OAB e jamais poderia ser elaborado pelo Poder Judiciário.
O credenciamento de advogados, pelas Cortes Judiciárias, para o fim de exercício da advocacia, em verdade, macula o artigo 133 da Lei Maior. A Constituição, ao atribuir dignidade constitucional à advocacia, inserindo-a como função essencial à administração da Justiça, afastou o ordenamento dos advogados das Cortes Judiciárias. Credenciamento para o exercício profissional junto ao Poder Judiciário menoscaba a atividade, sujeita-a administrativamente aos tribunais, ensejando que advogados venham a ser afastados de suas atividades por atos de órgãos em face dos quais detêm independência constitucionalmente estabelecida. De fato, sendo a advocacia tratada em capítulo diverso daquele destinado ao Poder Judiciário, estando regrada no capítulo das funções essenciais da administração da justiça, resta certo que a Constituição guarnece sua independência em relação ao Estado, em especial em relação ao Judiciário.
Não pode haver sujeição do exercício da advocacia ao Poder Judiciário. O credenciamento estabelecido no artigo 2º da Lei federal 11.419, de 19 de dezembro de 2006, é inconstitucional. Quando muito, o preceito poderá permanecer no universo normativo se lhe for conferida interpretação conforme a Constituição para o fim de se estabelecer que, afastado o credenciamento realizado pelo Poder Judiciário, será ele (o credenciamento) realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil.
Artigos 4º e 5º
Prevêem os artigos 4º e 5º da Lei 11.419 meios eletrônicos de intimação de atos processuais. O artigo 4º institui diário de justiça eletrônico e estabelece que a publicação eletrônica “substitui qualquer outro meio e publicação oficial, para quaisquer efeitos legais”.. Já o artigo 5º estabelece que as intimações dar-se-ão eletronicamente “em portal próprio aos que se cadastrarem” junto aos órgãos judiciários “dispensando-se”, nessa hipótese de cadastro, “a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico”. O artigo 4º, portanto, acaba com o diário de justiça em meio físico, criando o meramente eletrônico; o artigo 5º dispensa a publicação das intimações até mesmo no diário eletrônico, quando houver cadastramento dos interessados para fins de identificação eletrônica.
Os dispositivos, a não mais poder, agridem o artigo 5º, inciso LX da Constituição Federal que estabelece que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.
A interpretação constitucional não pode se dissociar do fato social por ela regrado.
Nesse contexto, a publicidade dos atos processuais, constitucionalmente exigida, há de ser examinada segundo a realidade nacional.
Os preceitos legais, em especial o primeiro, ao acabarem com o diário de justiça impresso em papel, limitando o conhecimento dos atos processuais a apenas aqueles que disponham de computador ligado à Internet, estão a restringir indevidamente a publicidade do processo.
Isso porque o acesso dos advogados brasileiros e da própria população nacional à rede mundial de computadores é ainda muito baixo.
Pesquisa divulgada pelo Comitê Gestor da Internet (doc. 03) indica que o número de computadores por domicílio não passa da casa dos 20 %, nem mesmo nas regiões sul e sudeste. Não chega a 20 % o número de domicílios conectados à Internet. E 66,68 % da população brasileira nunca usou a rede mundial de computadores !
Matéria da Folha de São Paulo registra que apenas 46% dos municípios brasileiros têm provedores de acesso à Internet (doc. 04).
Como em um contexto como esse se poderá acabar com a publicação em meio físico dos atos processuais, sem atentar contra a publicidade constitucionalmente exigida ?
A intimação dos advogados por meio eletrônico, eliminada a publicação em papel, fere de morte o princípio da publicidade. Por um lado, a população deixa de ter acesso ao que consta dos feitos. Por outro, os advogados, que não se afastam do contexto da população em geral, vêem-se, grande parcela deles, privados de acompanhar as demandas e as decisões das Cortes pátrias.
Além do atentado ao princípio da publicidade, os comandos impugnados maculam ainda o princípio da isonomia.
A distribuição de computadores pelas diversas classes sociais não é homogênea, sendo notório que as classes mais altas os detêm, enquanto as classes mais baixas não.
A norma, portanto, vem acentuar a exclusão; vem marcar e remarcar a diferença entre as castas e quebrar a “paridade de armas” necessária no processo, beneficiando os advogados conectados à rede mundial de computadores em detrimento daqueles que, por falta de recursos, não estão.
Os artigos 4 e 5º da Lei impugnada, ao acabarem com os meios físicos de intimação, limitando a comunicação dos atos oficiais aos meios eletrônicos, são inconstitucionais e devem ser expurgados do ordenamento jurídico pátrio.
Artigo 18
Prevê o artigo 18 do diploma normativo atacado que a Lei será regulamentada por órgãos do Poder Judiciário.
Manifesta a inconstitucionalidade, data venia. A regulamentação de lei é função privativa do presidente da República, ante o teor do artigo 84, IV da Lei Fundamental.
A delegação legislativa a órgãos do Poder Judiciário, prevista no artigo 18, a par de ser desarrazoada, na medida em que cada tribunal a regulamentará como bem entender, criando uma confusão regulamentar, ofende prerrogativa do Chefe do Poder Executivo.
Por tal razão, também o artigo 18 da Lei 11.419 deve ser declarado inconstitucional.
Liminar
Urge a concessão de medida liminar para o fim de serem afastados de plano do ordenamento jurídico pátrio os preceitos impugnados.
Os dispositivos, acaso venham a produzir efeitos, produzirão graves vícios ao regular andamento dos processos. Advogados poderão não ser credenciados pelos tribunais, limitando-se, indevidamente, o exercício profissional. Por outro lado, processos poderão ter curso sem a devida intimação das partes, admitido-se essa irregular e indevida intimação eletrônica. Por derradeiro, uma profusão indevida de regulamentações, criarão manifesta confusão regulamentar, em detrimento do bom andamento dos feitos judiciais.
Pedido
Por todo o exposto, pede o autor seja suspensa liminarmente a eficácia dos artigos 1º, III, “b”, 2º, 4º, 5º e 18 da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006.
Pede, ao final, seja declarada a inconstitucionalidade dos artigos 1º, III, “b”, 2º, 4º, 5º e 18 da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006.
Requer seja citado o Advogado-Geral da União, nos termos do artigo 103, § 3o, da Constituição Federal, para defender o ato impugnado, na Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto, Anexo IV, em Brasília, Distrito Federal.
Requer, outrossim, sejam oficiados o Presidente da República e do Congresso Nacional para prestarem informações no prazo legal.
Protesta pela produção de provas porventura admitidas (art. 9o , §§ 1o e 3o da Lei 9.868).
Dá à causa o valor de mil reais.
Brasília, 30 de março de 2007.
Cezar Britto
Presidente do Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil