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Quatorze cursos reprovados continuam a funcionar no país

domingo, 30 de dezembro de 2007 às 08h44

Brasília, 30/12/2007 - Funcionam no país 14 cursos de graduação que foram reprovados em todas as edições do antigo Provão e no teste que o substituiu, o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). Isso significa mau desempenho por oito anos seguidos no Provão, de 1996 a 2003, e um novo fracasso no Enade, que é aplicado desde 2004, avaliando cursos de áreas diferentes a cada ano. Ao todo, portanto, foram nove reprovações. Dos 14 cursos com as piores notas, nove são de direito, três de administração e dois de engenharia civil. Sete ficam no Rio. À exceção de uma faculdade municipal em Goiás, as demais são privadas.

A lista foi elaborada pelo Globo a partir dos resultados do Provão e do Enade divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Só foram considerados cursos reprovados em todos os exames. Assim, a lista se limita às áreas de administração, direito e engenharia civil, as únicas avaliadas desde a estréia do Provão, em 1996.

Para a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Lúcia Stumpf, o funcionamento de cursos sempre reprovados expõe a fragilidade do sistema de avaliação e regulação do ensino superior no país. Qualquer faculdade pode oferecer cursos sem a mínima qualidade. A gente observa uma total falta de regras para as instituições privadas. Primeiro elas abrem um curso, depois pedem autorização ao MEC. Tanto o Provão quanto o Enade deveriam servir para fechar cursos insuficientes e impedir que alunos sejam enganados - diz Lúcia.

“A situação é de descalabro”

Além da reprovação no Enade - que significa tirar notas 1 ou 2 na escala até 5 -, 11 dos 14 cursos tiveram mau desempenho também no IDD, um outro indicador do Enade que tenta medir a contribuição direta da faculdade no aprendizado dos alunos. Pode-se dizer, portanto, que foram duplamente reprovados. A situação é de descalabro. Vários empresários tratam o saber como mercadoria de péssima qualidade, punindo os cidadãos, geralmente os mais pobres, que buscam o conhecimento como forma de ascensão social. É preciso reverter essa lógica perversa - diz o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto.

A UNE boicotou o último Enade, a exemplo do que fazia nos tempos do Provão. Dessa vez, o alvo do protesto não foi o exame em si, mas a demora do Ministério da Educação (MEC) em executar as demais etapas de avaliação. A lei do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) prevê inspeções in loco, em que professores sorteados pelo Inep devem analisar as condições de ensino, tanto dos cursos isoladamente quanto das instituições.

As visitas não são novidade: já ocorrem na abertura e no licenciamento de cursos. O desafio é tornálas eficazes na hora de verificar a qualidade do ensino. Até recentemente, segundo dirigentes do MEC, elas se restringiam a conferir exigências burocráticas, como a existência de biblioteca ou a titulação dos professores, sem levar em conta seu real impacto no aprendizado.

O secretário de Educação Superior do MEC, Ronaldo Mota, diz que a maior dificuldade é vincular regulação e avaliação, isto é, condicionar o funcionamento dos cursos ao desempenho nos exames oficiais. Segundo ele, o Provão não fez isso, pois se limitava a divulgar os resultados, esperando que o mercado separasse o joio do trigo.

- Regras simples de mercado não funcionam em educação. Por dois motivos básicos: educação não é mercadoria e nossa cultura demasiadamente cartorial faz com que, por vezes, o diploma tenha valor em si, independentemente da qualidade do curso, o que é lastimável - afirmou Mota, por e-mail.

O secretário diz que o Sinaes está em fase de implantação. Por ora, são conhecidos apenas os resultados do Enade, que tem peso de 10% na nota final dos cursos para fins de licenciamento. Daí o motivo, segundo o MEC, para que cursos sempre reprovados continuem funcionando. Mota espera concluir em 2008 as avaliações in loco dos cursos que fizeram Enade em 2004.

Pressionado pela OAB, o MEC apertou o cerco contra os cursos de direito reprovados no último Enade, em 2006. O ministério cobrou melhorias de 89 deles, aproveitando para divulgar seu fraco desempenho no Exame de Ordem, teste realizado pela OAB e indispensável para o exercício da advocacia. Houve faculdades em que nenhum de seus formados tinha passado no exame.

“Fechar curso é prova de fracasso”

A Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup) tentou barrar a ação do MEC na Justiça Federal, mas o pedido de liminar foi negado. A Anup argumenta que o MEC quer passar por cima da lei do Sinaes, ignorando o parecer das comissões de especialistas que autorizam o funcionamento dos cursos. Mota rebate afirmando que o ministério cumpre apenas o dever de supervisão. No mês que vem, ele anunciará punições às faculdades de direito que se recusaram a tomar providências.

O presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Edson Nunes, que é pró-reitor da Universidade Candido Mendes, critica a parceria do MEC com a OAB. Segundo ele, a entidade representa interesses corporativos dos advogados. Para Nunes, o governo não deve fechar cursos, mas contribuir para melhorá-los, com ações focalizadas. Um ponto de partida, sugeriu ele, seriam os 14 cursos reprovados em todos os exames.

- Fechar curso é prova de fracasso da política educacional - diz o presidente do CNE.

O senador e ex-ministro da Educação Cristovam Buarque (PDT-DF) pensa diferente. Ele diz que falta disposição ao governo para enfrentar pressões e proibir o funcionamento de cursos de má qualidade, como já ocorre na pós-graduação:

- A avaliação é como um termômetro: indica a febre, mas, se você não dá o remédio, não serve de nada. O governo é conservador e não quer correr riscos. Fechar uma faculdade desagrada aos alunos, que preferem um diploma de universidade ruim do que ficar sem diploma. E tem a pressão dos donos. (A matéria é de autoria do repórter Demétrio Weber e foi publicada hoje no jornal O Globo)

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