Artigo: Desunião enfraquece justiça
Brasília, 17/11/2008 - O artigo "Desunião enfraquece justiça" é de autoria do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, e foi publicado na edição de hoje (17) do jornal Correio Braziliense:
"No Estado Democrático de Direito - regime definido pela Constituição Federal como o vigente no Brasil -, o Poder Judiciário é o guardião máximo da cidadania. É quem dirime seus conflitos e interpreta a Constituição e a ordem jurídica.
Tal condição impõe-lhe responsabilidades na mesma proporção. É intolerável, por exemplo, que haja desunião, quebra dos ritos processuais e divergências públicas entre magistrados. O resultado é perda de credibilidade, doença fatal em qualquer regime, sobretudo no democrático.
Lamentavelmente, porém, é o que temos visto, em alguns setores da magistratura. Diz a tradição que juiz só fala nos autos. Significa que seu ponto de vista é de tal forma importante que não pode dele dar pista, visto que se transformará em sentença.
Não significa que não possa se manifestar publicamente sobre questões político-institucionais de relevância, mas nunca a respeito daquela que esteja sob seu julgamento. Esse recato, que deve observar sobre o que lhe está afeto, deve igualmente ser estendido em relação a temas que estejam na esfera de sua instituição, ainda que não sob sua responsabilidade direta. É inconcebível que um magistrado emita juízos de valor a respeito de tema que aguarda julgamento.
Se, por exemplo, ele é favorável à matéria e ela acaba tendo sentença contrária, transparece ao público a idéia de conflito, de coisa mal resolvida, de justiça equivocada. E isso, como é óbvio, é ruim para a imagem e credibilidade da instituição.
Fere a ética e o bom senso. No entanto, temos constatado, com freqüência preocupante, exatamente isto: a divergência pública entre magistrados, procuradores e até autoridades policiais. E isso os expõe a todos, enfraquecendo-os moralmente perante a sociedade.
O que dá sustentação ao regime democrático, repito, é a credibilidade de suas instituições. E ela decorre da coerência e impessoalidade com que se conduzem. Divergências são inerentes à natureza humana. Ocorrem também, por isso mesmo, no âmbito das instituições. Mas é lá que devem ser sanadas.
Quando um magistrado decide, sua decisão pode gerar recursos a outras instâncias, que resultem em revisão de sua sentença. E isso não pode ferir suas susceptibilidades. É inerente ao processo. Muito menos é admissível quando a revisão se dá em instância máxima. Aí nada mais resta fazer senão submeter-se ao rito processual. É assim que funciona o Estado Democrático de Direito.
A união é vital ao bom funcionamento das instituições. Não pode ser profanada por personalismos ou vaidades feridas. Quando isso acontece, todos perdem: os que se envolvem na polêmica, as instituições, a sociedade, a democracia.
Confiamos nas instituições brasileiras, em especial no Judiciário. Elas têm demonstrado, desde a redemocratização, competência para dirimir crises graves, mostrando-se aptas para cumprir o que lhes cabe, trazendo segurança à sociedade.
Enfrentamos um processo de impeachment de um presidente da República, Fernando Collor, sem que, em nenhum momento, se questionasse a solidez da democracia. Enfrentamos um processo delicado, em que cabeças coroadas do Legislativo foram cassadas - a CPI dos Anões do Orçamento -, sem que a vida institucional do país sofresse abalos. Em ambos os casos, que não foram as únicas turbulências que vivemos, as instituições funcionaram a pleno vapor.
E isso só foi possível porque predominou o sentido do dever, acima dos personalismos. Num passado não muito distante, a qualquer sinal de crise mais grave, temia-se pelos pronunciamentos militares, pela desestabilização do regime.
Hoje, ninguém mais cogita deles. Isso porque as instituições cumprem plenamente seu papel. O conflito pessoal, diferente do conflito jurisprudencial, tem acontecido fortemente no Judiciário, o que é muito ruim para a produção de justiça. Gera sensação de impunidade, o que enfraquece a Justiça e favorece a delinqüência, sobretudo a do colarinho branco. Confiamos na correção dessas condutas para o bem-estar geral e a consolidação do Estado Democrático de Direito em nosso país."