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Entrevista: juiz sério não tem medo do CNJ

domingo, 16 de outubro de 2011 às 17h22

Recife (PE), 16/10/2011 - Em sua recente passagem pelo Recife, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, discutiu a proposta do novo Código de Processo Civil Brasileiro, defendeu a advocacia do País e convocou a categoria para o combate à corrupção. "Houve (de 2005 a 2008) um desvio de mais de US$ 3 bilhões. Esse dinheiro poderia ter proporcionado saúde, segurança, educação, diminuído a desigualdade do nosso povo", criticou Ophir.

O jurista ainda questionou os interesses que estariam por trás da ação, da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que contesta o alcance do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). "Juiz sério, juiz honesto, juiz que trabalha não tem medo do CNJ", garantiu. A entrevista foi concedida pelo presidente nacional da OAB ao jornalista Gilberto Prazeres, do jornal Folha de Pernambuco, e publicada no dias de hoje:

P - A OAB tem se mostrado engajada nas discussões sobre o novo Código de Processo Civil Brasileiro. Como a entidade está atuando para a sua formulação?

R - Essa é uma discussão que interessa a toda sociedade. O Código de Processo Civil, como o Código Penal Brasileiro, são diplomas importantes para a execução da cidadania no Brasil. Ele representa um instrumento de reivindicação do cidadão em relação ao Estado, em relação aos seus direitos. Por isso, é necessário que haja um processo democrático, um processo seguro e que tenha celeridade. A Ordem trabalhará muito nisso. Temos representantes nossos na discussão, na construção de uma proposta. Nós temos a concepção de que ainda é preciso avançar em muitas lutas. Mas, hoje, a proposta que está sendo apresentada à sociedade, que se encontra em uma discussão na Câmara dos Deputados, é uma proposta que avança bastante, no sentido de compatibilizar de um lado a segurança jurídica, de outro, a seguridade social.

P - E quais seriam as modificações prioritárias que o senhor elencaria para a composição desse novo Código de Processo Civil?

R - A grande modificação nesse novo Código de Processo Civil é permitir que haja a possibilidade de se julgar, de uma vez só, questões que demandariam discussões várias, portanto, discussões individuais. Então, hoje, por exemplo, se uma grande empresa de âmbito nacional desrespeita os direitos do consumidor, isso poderá ser, através de um incidente de coletivização, discutido de uma vez só, dando mais segurança e mais legitimidade a esse debate.

P - A discussão, hoje, no  Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a possibilidade de limitação da ação fiscalizatória do CNJ tem gerado posicionamentos antagônicos. Como a OAB vem participando dessa discussão?

R - O CNJ foi criado como uma reivindicação da sociedade brasileira, no sentido de se dar maior transparência à Justiça. A sociedade entendia que a Justiça Brasileira era uma caixa preta, onde o cidadão não podia exercer a fiscalização. O Judiciário, de um modo geral, sempre fiscalizou os demais poderes. Não havia quem o fizesse internamente, até porque as corregedorias nos tribunais, lamentavelmente, por falta de estrutura em muitos casos, e, em outros casos pela inexistência de um critério de respeito aos direitos da sociedade, eram corporativas. Essas corregedorias ficaram desacreditadas, que passaram a não ter mais um papel eficaz. O CNJ surgiu para corrigir essas distorções. Retirar do CNJ a legitimação concorrente a essas corregedorias e fazer esse controle do comportamento ético, da conduta ética do magistrado é diminuir o papel do CNJ. Vai se tornar apenas um órgão que vai tentar rever, quando conseguir rever, as decisões das corregedorias.

P - E não haveria concorrência entre as atuações do CNJ e das corregedorias?

R - Essa visão de que o CNJ, hoje, está desvirtuado do seu papel original não corresponde, efetivamente, a verdade, nem a realidade constitucional, porque o CNJ recebe essa demanda de atuação sem prejuízo às funções das corregedorias. Ou seja, para além das corregedorias, o CNJ pode exercer essa função e fazer o controle do comportamento ético e disciplinar. Por isso, a Ordem entende que a questão está sendo desvirtuada propositadamente pela Associação dos Magistrados, que não deseja que o CNJ continue a exercer esse papel de fortalecimento da Justiça. Combater a corrupção, que é muito pouca mas existe no Judiciário, é fortalecer a Justiça. Não se compreende que uma entidade de juízes queira derrubar isso. Deveria é defender. Juiz sério, juiz honesto, juiz que trabalha não tem medo do CNJ.

P - Como o senhor recebeu a declaração da corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, de que existem bandidos de toga?

R - A ministra não disse nenhuma inverdade. Evidente que as pessoas distorceram a declaração. O que a ministra disse é que, efetivamente, dentro da magistratura, como em qualquer outra atividade profissional, existem pessoas que não respeitam os limites éticos e acabam usufruindo para si daquilo que o Poder proporciona, sem benefício à sociedade. O Judiciário deve exercer sua independência para fortalecer a sociedade. E não para fortalecer os seus membros, os seus integrantes. O indivíduo não pode fazer do cargo um facilitador para os seus interesses privados.

P - A Ordem tem capitaneado uma série de atividades de combate à corrupção. Essas ações estão recebendo o engajamento esperado da sociedade?

R - As pessoas têm participado de uma forma muito positiva. Nós sabemos, a partir de levantamentos da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que de 2005 a 2008, houve um desvio de mais de três bilhões de dólares. Esse dinheiro poderia ter proporcionado saúde, segurança, educação, diminuído a desigualdade do nosso povo. Diminuído a distância entre aqueles que ganham mais e os que ganham menos. E isso a gente não pode permitir. Não podemos concordar que o povo brasileiro continue a pagar essa conta em detrimento de alguns poucos. Eles utilizam de cargos públicos para constituir benefícios próprios. Portanto, é necessário que a sociedade, cada vez mais, se conscientize disso.

P - Com relação à aplicação da Lei da Ficha Limpa, o senhor acredita que o STF deverá balizá-la antes da próxima eleição, no ano que vem?

R - Acreditamos que vem. Em visita ao ministro Luiz  Fux, vamos, mais uma vez, manifestar a nossa preocupação com a necessidade de se aplicar a Ficha Limpa nas próximas eleições. Vamos solicitar que o ministro possa pautar logo a Ficha Limpa, marcando o julgamento da ação que versa sobre a sua aplicabilidade. Haverá eleição no próximo ano e se faz necessário que haja segurança jurídica, tanto para o eleitor, como para os candidatos que disputarão cargos públicos. A sociedade precisa saber em quem está votando e se aquela pessoa pode ou não concorrer ao cargo pleiteado.

P - Recentemente, aqui em Pernambuco, alguns deputados estaduais se colocaram contrários à cobrança aos estudantes de Direito para a realização do exame da OAB. O presidente encara essa posição como um revide dos atingidos pela atuação da OAB?

R - Não há dúvidas de que a Ordem, por conta de suas posições independentes - sem qualquer tipo de atrelamento a algum tipo de poder político - ela desagrada. E, como ela desagrada, certamente isso traz consequências. Mas a Ordem vai continuar a sua luta. Não serão ameaças menores, como essa e outras feitas no Brasil afora, que vão retirar a Ordem de sua pauta de defesa da sociedade brasileira. Não tenho dúvida. O que sempre caracterizou a advocacia foi a coragem. Isso a Ordem sempre teve e vai ter. Portanto, ações como essa representam o que há de mais atrasado nesse País. Essas pessoas que fazem esse tipo de proposta estão a trabalhar para si próprias, contra a sociedade e contra as instituições. A Ordem entende que as instituições são muito maiores e mais importantes que os homens e mulheres que as compõem.

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