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Artigo no Correio Braziliense: Mudança ou cleptocracia

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014 às 10h53

Brasília - Confira o artigo do advogado e membro efetivo do IAB, Josemar Dantas, publicado na edição desta segunda-feira (03), no Correio Braziliense.

Mudança ou cleptocracia

A precária legitimidade do sistema político-representativvo no Brasil deita raízes, em grau alarmante, nas fraudes à consciência dos cidadãos convocados às eleições. Entre as mais perversas, figuram as doações eleitorais que as pessoas jurídicas (empresas) fazem a candidatos e partidos para alçá-los ao poder. Os bem-sucedidos nos pleitos por efeito da derrama tornam-se vassalos dos doadores, agora investidos de crédito "moral" para exigir-lhes o patrocínio de privilégios.  Para fulminar semelhante lesão à lisura da consulta às urnas e em favor da concorrência em regime igualitário, democrático, de postulantes à ocupação dos cargos eletivos, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN nº 4.650). Levou à Suprema Corte os argumentos jurídicos e éticos demonstrativos do ultraje à Carta Magna da Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.906/95) e da Lei das Eleições (Lei nº9.504/97). Ambas autorizam a contribuição financeira de pessoa jurídica para campanhas eleitorais de partidos e candidatos.

A transferência de recursos do estamento empresarial para siglas partidárias e aos personagens interessados em conquistar ou renovar mandatos figura entre as mais depravadas causas de corrupção. À sombra dos compromissos pré-eleitorais acoitados por altos valores em dinheiro vicejam negociações e concessões de vantagens prejudiciais ao interesse público. Constitui rotina mandatários premiados pela generosidade de patrocinadores recorrerem ao tráfico de influência, no âmbito de entidades governamentais, para contemplá-los com amparo a interesses escusos. No Congresso, votam sempre a favor ou contra projetos, conforme possam beneficiá-los ou causar-lhes incômodo.

As somas recolhidas dos empreendimentos privados (R$6 bilhões em 2010) favorecem a atuação do poder econômico, fonte ominosa de fraude à consciência do eleitorado. Concorrem, portanto, para desfigurar o regime democrático e o sistema republicano. E, em um país naufragado na corrupção, como o nosso, tende a transformá-lo em verdadeira cleptocracia. "Todo poder emana do povo", estabelece a Constituição (art.1º, § único). Não se pode entender o povo senão como o conjunto de pessoas físicas. Ora, empresas são entidades abstratas, ficções jurídicas, enfim. São entes, como óbvio, desprovidos de personalidade humana. Logo, não podem participar de torneios eleitorais, sobretudo mediante a distribuição obscena de apoios monetários. Salvo, explique-se, em afronta à ordem constitucional. Que sejam, pois, declaradas inconstitucionais as leis que estabelecem o contrário, nos termos da ação ajuizada pela OAB.

Entre nós, muitas ações políticas dos atores pessoais e institucionais costumam ser motivadas por interesses inconfessáveis. Não por outro motivo, urge colocar ponto final na prática infame do "toma lá, dá cá", como prega o presidente da Corte Suprema, ministro Joaquim Barbosa.

Parlamentares ocupantes das posições de mando no Legislativo, de regra "surfistas" trazidos ao Congresso nas ondas movimentadas pela fortuna das sociedades econômicas, ameaçam aprovar emenda constitucional para legalizar a prática. Esforço, convém lembrar, desde agora condenado ao malogro. Carece o Legislativo de poderes para alterar cláusula pétrea da Lei Maior. Veja-se que a ADIN proposta pela OAB objetiva impedir violação ao princípio imutável (pétreo) segundo o qual "todo poder emana do povo". A dinheirama reservada pelas empresas para alavancar candidaturas e partidos varre o prefalado art. 1º, § único da Carta, isto é, cassa a soberania política deferida ao povo. Logo a PEC em cogitação, caso venha a ser aprovada para invalidar provável decisão do STF favorável à iniciativa dos advogados, será declarada inconstitucional.

Vale transcrever, por útil ao entendimento da questão, a forma como o representante do PSTU, Bruno Collares Alves, definiu perante o plenário do STF o efeito da vergonhosa subordinação imposta a organizações partidárias e candidatos: "a cobra nunca morde a mão que a alimenta".

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