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Queimamos as caravelas, diz presidente da Comissão da Mulher Advogada

sexta-feira, 22 de maio de 2015 às 22h50

Maceió (AL) - A presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada, Fernanda Marinela, afirmou, durante a I Conferência Nacional da Mulher Advogada, que “as caravelas estão queimadas”, referindo-se à inclusão feminina na Ordem. A frase é uma referência à persistência dos conquistadores espanhóis.

“Durante a conquista do México, Hernán de Cortez mandou queimar as caravelas nas quais o exército espanhol, por ele comandado, havia chegado ao Novo Mundo. Seu objetivo foi deixar claro para os seus soldados que não havia caminho de fuga e que a única chance de sobrevivência para eles era a vitória. Ainda que o objetivo seja menos dramático, porém muito mais legítimo, hoje pode-se dizer que nós mulheres queimamos nossas caravelas”, afirmou.

Leia abaixo a íntegra do discurso de Fernanda Marinela na I Conferência Nacional da Mulher Advogada:

Durante a conquista do México, Hernán de Cortez mandou queimar as caravelas nas quais o exército espanhol, por ele comandado, havia chegado ao novo mundo. Seu objetivo foi deixar claro (como o fogo!) para os seus soldados que não havia caminho de fuga e que a única chance de sobrevivência para eles era a vitória sobre os astecas.

Ainda que o objetivo seja menos dramático, porém muito mais legítimo, hoje pode-se dizer que nós mulheres queimamos nossas caravelas.

No dia 08 de março de 2013, eu estava gravando aula quando minha secretária entrou esbaforida estúdio adentro dizendo que era o Presidente da OAB falando que eu tinha que atender ao telefone.

Era um dia como outro qualquer, acordei cedo, me arrumei, tomei café, fiz o dos meus filhos, os acordei os preparei e os levei para a Escola. Depois segui minha rotina, fui para meu estúdio e comecei a gravar aula.

Até este dia, eu me via como uma professora de direito administrativo recém-empossada como Conselheira Federal suplente que seguiria minha vida como antes.

Tudo mudou com um telefonema.

Naquele 08 de março eu interrompi a aula já pressentindo que algo importante iria acontecer.

E, do outro lado da linha, estavam Marcus Vinicius e Felipe Sarmento me convidando para ser a Presidente da Comissão Especial da Mulher Advogada.

Eu Presidente desta comissão? Me indaguei e a eles também, enquanto sentava na cadeira como que para suportar o peso da responsabilidade.

Nunca tinha me enxergado como defensora dos direitos da mulher, pelo menos não  fiz de forma consciente. Caí num abismo mental, e me vi soterrada numa avalanche de pensamentos enquanto ouvia... bem longe, os dois falando as razões para me convencer a aceitar tão honrosa missão.

Sentei, relaxei e fiz uma profunda reflexão sobre o que tinha acabado de ocorrer.

Decidi aceitar o convite. Naquele 08 de março de 2013, Senhoras e Senhores, eu estava queimando minhas caravelas.

E Hoje aqui estou eu, de caravelas queimadas, mas com a sensação de dever cumprido e o coração em festa, abrindo a primeira Conferência Nacional da Mulher Advogada.

Aqui contamos com a presença de mulheres de todos os Estados da Federação. Temos caravanas de mulheres dos Estados de norte a sul, de leste a oeste, os quais eu, de todo o meu coração, saúdo.

Mas este evento não é um fim em si mesmo. É o resultado de muito trabalho e o começo de uma nova história.

É certo que se eu disser aqui que a minha mãe, para abrir uma conta em banco ou para trabalhar precisava de autorização do meu pai e hoje, estamos aqui realizando esta conferência, o avanço é inegável, mas ainda há um longo caminho a trilhar.

Somos parte de uma geração que pode experimentar o sabor da liberdade em toda a sua essência, visto que nascemos antes de 88, vivemos um Brasil que não nos tratava como cidadãs. Vivemos parte de nossas vidas como semi-gente, mas que teve o privilégio de poder oferecer à maioria de vocês aqui presentes o sentimento de cidadania plena, mesmo sendo mulher.

Graças às mulheres-ativistas do passado, a maioria de vocês não sabe o que é ser meio-cidadã. Graças a elas vocês não sabem o que é ser discriminada, ou pior, ser exortada da política, da educação e das grandes decisões de nosso País.

Graças à elas, vocês e seus filhos não serão discriminados se engravidarem sem ser casadas.

Graças à elas vocês tem direitos patrimoniais mesmo se não casarem “de papel passado”.

Graças à elas vocês não precisam ficar acorrentadas a um marido o resto da vida.

Graças a elas vocês podem se ausentar do trabalho por 4 meses quando tiverem seus filhos.

Digo isso porque se hoje somos cidadãs, precisamos nos lembrar que isto se deu graças a duras batalhas de mulheres guerreiras que gritaram, lutaram e em alguns casos pagaram o último preço pelo direito à igualdade.

Hoje a situação é bem diferente, somos cidadãs plenas, iguais “em tese” em direitos e deveres para com o Estado e para com os outros, pelo menos nas letras da Lei e em alguns lugares. Mas não nos enganemos, ainda há muito que lutar, muito a conquistar, muito a brigar. Só que agora a luta ficou mais fácil, pois temos os homens do nosso lado, os homens de verdade, aqueles que nos reconhecem como cidadãs e nos vêem como iguais.

Hoje estamos unidos mais do que nunca na história, numa sucessão de vitórias na igualdade e no reconhecimento de nossas capacidades e particularidades inerentes a cada gênero da espécie humana.

Hoje, aqui, não é a Fernanda Marinela que está falando. Hoje quem está falando aqui são as 450.000 advogadas que formam a Ordem dos Advogados do Brasil, lembrando que nós mulheres já representamos quase 50% do total de inscritos na Ordem.

Não podemos deixar de levar em consideração que o mundo jurídico, que até pouco tempo tinha uma representação significativa de homens ocupando os cargos, teve nesses últimos anos o seu perfil alterado com o ingresso da mulher na atividade profissional.

A advocacia passou a atrair mais a atenção das mulheres nos últimos 30 anos, elas representam 55% do total de matrículas e são 58% dos estudantes que concluem o curso de Direito.

Hoje representamos cerca de 50% da Advocacia nacional  mas, apesar de pagarmos a metade da conta, nós não sentamos na metade da mesa.

Conseguimos a aprovação pelo CFOAB, no dia 3 de novembro de 2014 – do Provimento nº 161 prevê em seu art. 7º - norma que já será aplicada nas eleições deste ano – que para o registro de chapa na eleição da OAB deverá ser observado no mínimo 30% de um dos gêneros, hoje 30% de mulheres, mas quem sabe um dia não será a vez dos homens.

- Somente 17% de mulheres em cargos de diretoria do no sistema OAB – contra 83% de homens.

- Nenhuma mulher na presidência de Seccional.

- No CFOAB foram eleitos em 2012 81 conselheiros federais – 5 mulheres na titularidade na casa.

- Somente em 16 de março de 2015 foi aprovado o Provimento nº 163, que transformou a Comissão Especial da Mulher Advogada em comissão permanente.

Neste meio tempo, muita dedicação e tempo foram investidos pelo nosso exército composto pelas valorosas mulheres de Norte a Sul do Brasil que aceitaram o desafio de nos acompanhar nesta luta em um novo mundo, menos injusto e menos cruel, mas nem por isso menos discriminatório.

Hoje vivemos no Brasil momentos difíceis, o país passa por momentos difíceis, mas para nós mulheres que sempre vivemos dificuldades e, que temos a vocação para ser feliz, isso não representa o fim do mundo, afinal de contas nós somos reativas e fazemos dos nossos sonhos a realidade que podemos construir com o que temos.

Se há dificuldades elas existem para serem resolvidas, se há problemas eles existem para serem superados.

Nós não podemos ter medo diante da vida, nós não podemos continuar fazendo do mesmo jeito que fazíamos antes, nós temos hoje problemas novos que continuam com respostas velhas.

Basta nos lembrar do papel que a Constituição Federal e o Estatuto da OAB nos deu. Nos foram concedidas prerrogativas e juntamente com elas nos foram concedidas responsabilidades.

Nós, mulheres advogadas, temos um papel muito importante na sociedade. Somos a “ponta da lança”, a linha de frente da defesa dos direitos das mulheres no Brasil.

É de nós que deve partir a proteção da cidadania da mulher indefesa, da pobre, da discriminada pela cor, pela religião, pela opção sexual, enfim. Cabe a nós, mulheres dotadas de prerrogativas, o dever de lutar pela cidadania das mulheres oprimidas, indefesas, vítimas da vida. Este é o papel da chamada “mulher advogada”.

O desafio hoje é dar respostas que sejam pelo menos caminhos para boas perguntas para aqueles que vierem depois de nós.

Mas hoje viemos aqui para celebrar.

Celebrar para comemorar as conquistas, saborear o doce gosto das nossas recentes vitórias e, a partir daqui, ganharmos mais incentivos para os desafios vindouros.

Estamos vivendo o nascimento de um movimento orgânico que viraliza em todo o País. O movimento Mais Mulheres na OAB já conta com um setor devidamente organizado em alguns Estados.

Tenho a certeza de que este movimento representa a aurora de uma nova realidade política no nosso Brasil. Uma realidade que inclua a mulher não só na política da Ordem, mas também na política brasileira. E mais uma vez advirto que, a nós, mulheres advogadas, cabe o dever de levantar e carregar esta bandeira, como “ponta de lança” da participação efetiva das mulheres na política brasileira.

É preciso deixar claro que nós mulheres não queremos o mundo para ninguém, mas queremos juntos, com as mesmas condições,  porque juntos temos mais, podemos fazer mais, até porque temos visões diferentes de mundo.

E aqui fica a pergunta que não quer calar: Nós representamos mais de 52% do eleitorado nacional e até quando nós mulheres vamos deixar que eles escolham por nós? Essa é a hora. A reforma política é o momento e nós mulheres não podemos ficar de braços cruzados esperando mais uma vez que eles decidam por nós.

Nós não queremos mudar do Brasil, queremos sim mudar o Brasil, junto com todo mundo. É verdade que cada uma de nós sozinha podemos fazer muito pouco, mas o importante é que cada um faça sua parte, porque todos nós reunidos podemos fazer muito.

Termino este discurso com um recado para todos aqui presentes, e em especial às mulheres advogadas:

Nós, como defensoras da justiça e da cidadania, queimamos nossas caravelas. Nosso único caminho é seguir em frente.

Vamos à luta! Obrigada.

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