Artigo: Pela sociedade inclusiva
Brasília, 29/08/2005 – O artigo “Pela sociedade inclusiva” é de autoria do presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Goiás, Miguel Ângelo Cançado:
“A Lei Federal 7.853, de 24 de outubro de 1989, estabelece os direitos básicos das pessoas portadoras de deficiência. Ela representa um avanço na luta pela inclusão social dessas pessoas, já que fez evoluir bastante os conceitos inseridos numa medida governamental anterior, o decreto, ainda do governo militar, que apenas instituía a Semana Nacional da Criança Excepcional. E o avanço se seguiu com o Decreto 914, de dezembro de 1993, revogado pelo atual Decreto 3299/99, que instituiu a política nacional para a integração da pessoa portadora de necessidades especiais.
Mesmo que dotado desse arcabouço jurídico, o Brasil ainda não trata bem os seus deficientes. O que se vê mais é a ação da sociedade organizada, através de entidades de filantropia e organizações não-governamentais, travando uma árdua luta para que os portadores de deficiências de toda natureza encontrem e vejam preservados os seus espaços no ambiente social.
Este é assim um momento apto para a reflexão que o caso requer. E com a lembrança de que se há uma lei garantindo os direitos das pessoas portadoras de necessidades especiais o dispositivo legal precisa ser cumprido em sua plena concepção. Desta forma, e conforme prevê a Lei 7853, no seu artigo 8º, constituem crimes atitudes como a restrição ao acesso do deficiente aos estabelecimentos de ensino de qualquer curso ou grau, público e privado; o impedimento do acesso a qualquer cargo público; a negativa do trabalho e do emprego para o deficiente; ou atos como recusar, retardar e dificultar a internação hospitalar dessas pessoas.
Vemos a preocupação crescente dos setores que se importam com a situação social dos portadores de necessidades especiais quanto à chamada acessibilidade, não apenas nos edifícios e prédios públicos, como na rua, nos ônibus do transporte coletivo e nos próprios meios de comunicação. No aspecto da acessibilidade urbana, chamam a atenção, e com o merecimento dos aplausos gerais, as iniciativas do CREA, que é uma autarquia federal, voltadas para dar à cidade de Goiânia condições de mais igualdade no universo que contempla o sagrado direito de ir e vir.
Lembra oportunamente a dra. Valéria Cristina Gomes Ribeiro,
analista de finanças e controle externo do Tribunal de Contas da União, bacharel em Direito e pós-graduanda em Políticas Públicas pela Universidade de Brasília, que a leitura dos textos legais específicos em favor da inclusão social dos portadores de necessidades especiais leva à clara obrigação de o Estado zelar permanentemente por esses direitos. Do Estado se vêem providências merecedoras do reconhecimento geral, como se dá presentemente em Goiânia, com a obra grandiosa do Crer, cuja meritória ação une o desempenho do Estado com a atitude positiva da solidariedade de outras pessoas e de variadas entidades, além de personalidades de notoriedade pública e que com a sua imagem contribuem para aumentar a consistência da obra que ali se realiza. De igual merecimento é a portentosa obra que realiza na vizinha cidade de Trindade a benemérita Vila São José Bento Cottolengo, que pude conhecer pessoalmente e que, confesso, me comoveu.
Mas é preciso muito mais. Como lembra a citada dra. Valéria Cristina, as liberdades positivas podem ser entendidas como certos comportamentos permitidos e garantidos pelo Estado, "que os efetiva por meio de instrumentos específicos". Mas onde estão esses instrumentos? Que dimensão eles têm? Enfim, de concreto como se mensurar o avanço que vem daquele período de mando militar em que, equivocadamente, se lembrou, no universo dos portadores de deficiência, apenas da "criança excepcional" e que deveria contar como uma semana a ser anualmente "comemorada". Comemorar o quê?
Até mesmo contra os equívocos, a boa resposta deve ser procurada no sentido prático das coisas. E neste aspecto aparece como leitura obrigatória a Cartilha da Inclusão, editada em novembro de 2000 pela PUC-MG. Lá se encontram, devidamente detalhados, os crimes previstos pela Lei 7853. E lá ensina a quem o deficiente deve recorrer contra esses crimes, na defesa dos seus legítimos direitos, que muitos ainda insistem em ignorar. Ou, como bem lembra a cartilha, não é possível mais conviver com estranhos conceitos, como o de que o problema é do surdo, que não entende o que está sendo dito na televisão, e não da emissora, que não colocou a legenda; ou do cego, por não saber das novas leis, e não do poder público, que não as divulga oralmente ou em braile; ou, ainda, do deficiente físico, que não pode subir escadas, e não de quem aprovou uma construção sem rampas. E a reflexão central, encontrada também nesse texto tão oportuno: "O termo inclusão, diferentemente, indica que a sociedade, e não a pessoa, deve mudar. Para isso, até as palavras e expressões para denominar as diferenças devem ressaltar os aspectos positivos e, assim, promover mudança de atitudes em relação a essas diferenças".
Por último, é bom saber que, mesmo permanecendo o Estado ainda no atraso na chamada atuação positiva diante do que está expresso em lei, estão disponibilizados para toda a sociedade meios hábeis de recursos para que a inclusão social das pessoas portadoras de deficiências se aproxime de uma realidade completa. Uma dessas fontes de recurso é a OAB. E me cumpre assegurar que a entidade tem se mantido atenta em face à questão e pronta para intervir, se vier a ser chamada para a defesa das pessoas que eventualmente vierem a sofrer lesão nos seus direitos. É um chamamento não unicamente para os advogados, mas para toda a sociedade. A inclusão social do portador de deficiente, se é um direito legítimo para essas pessoas, é uma imposição para os cidadãos de bem”.