“Estados pagam dívida da União com a vida dos brasileiros”, diz Lamachia
Brasília - O presidente nacional da OAB criticou nesta quinta-feira (16) a maneira com que a União cobra a dívida dos Estados. Segundo Lamachia, é urgente o debate sobre o tema, porque o pagamento tem impedido os entes federados de investir em políticas públicas essenciais para os cidadãos. “Muitos Estados pagam a dívida com a vida dos brasileiros”, asseverou.
A afirmação de Lamachia foi feita durante seminário organizado pela OAB, pela Febrafite (Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais) e pela Auditoria Cidadã da Dívida para debater soluções para as dívidas dos Estados. O evento contou com representantes de dezenas de entidades da sociedade civil.
“Tenho afirmado que muitos Estados pagam a dívida com a vida de cidadãos brasileiros. É forte, mas é a realidade. Quando se paga juros exorbitantes em vez de aplicar na saúde, estamos pagando com a vida de brasileiros. Quando temos falta de recursos para investimento na segurança, com pessoas amedrontadas e morrendo assassinadas, pagamos a dívida com a vida de cidadãos”, explicou.
Para Lamachia, é absurdo, por exemplo, que o BNDES empreste dinheiro a empresas privadas com taxas de juros muito menores do que aqueles que Estados são obrigados a pagar à União. “Se queremos um novo Brasil, temos que discutir e resolver esta questão, encontrando solução real e definitiva que nos permita avançar. É urgente examinar tema com olhar crítico”, afirmou.
O presidente da Febrafite, Roberto Kupski, lamentou que os Estados sangrem há tantos anos, algo que tem “machucado e prejudicado muitas pessoas”. “Defendemos que a dívida deve ser paga sem juros. Não cabe à União cobrar juros exorbitantes de outras entidades federativas. A dívida serve de pano de fundo para tirar autonomia dos entes federativos”, disse.
Representante da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli afirmou que a dívida dos Estados já foi paga várias vezes. “São dívidas que já nasceram infladas com os passivos dos Estados, aplicando-se juros exorbitantes, os empurrando, assim, para a falência, impossibilitados de atender os direitos sociais. Isto tem sido esquema que usa o nome de dívida para amarrar nosso país”, criticou.
Rodrigo Delmasso, deputado distrital, classificou como primordial o debate realizado nesta quinta para entender a crise econômica que o país atravessa nos últimos tempos. “A falta de política de incentivo ao setor produtivo que leve à produção de riquezas dos Estados é um dos pilares da crise, assim como a falta de coragem para uma reforma tributária. União não pode ser banco que empresta dinheiro com objetivo de ter lucro, pois coloca os Estados em situação de dependência”, afirmou.
Origem do problema
João Pedro Casarotto, auditor fiscal da Secretaria da Receita do Rio Grande do Sul, traçou panorama das dívidas dos Estados, que remontam principalmente à mudanças financeiras trazidas pelo Plano Real. Entre os números apresentados, mostrou-se que o refinanciamento das dívidas estaduais em 1999 teve o montante de R$ 122 bilhões. Até 2014 foram pagos R$ 246 bilhões, sendo o que saldo devedor alcançava naquele ano R$ 442 bilhões. Como solução, propôs que Estados devolvem com correção monetária o valor recebido, sendo que os que pagaram a mais têm de ser ressarcidos.
“A insolvência dos Estados decorreu do Plano Real, da Lei Kandir [sobre impostos dos Estados na circulação de mercadorias], a desvalorização cambial, a restrição de créditos e o aumento compulsório. Tudo isso gerou menos receita. Com juros altos, há mais gastos, gerando descontrole nas finanças dos Estados e a imposição de contratos leoninos. O estrangulamento dos Estados foi objetivo políticos”, afirmou.
Maria Lucia Fattorelli explicou que muitas das dívidas nasceram obscuras, pois foram tomadas ainda nas décadas de 70 e 80 por meio de resoluções do Senado que sequer mencionavam a finalidade dos empréstimos ou quem eram os credores. Na década de 90, esse montante sofreu impacto com a política monetária federal. “O Plano Real acabou com a inflação, mas o juro era de 45% na taxa básica, provocando uma distorção brutal nas dívidas”, disse.
“O crescimento exponencial da dívida nos trouxe aos dias atuais. Qual a proposta do governo? Tesouro e Senado têm aprovado contratação de dívidas externas pelos Estados para pagar a União, uma verdadeira aberração. Esquemas sofisticados atuais geram ainda mais obrigações e comprometem as futuras gerações. Este é o cenário para contrarreforma e projetos abusivos, como os que congelam gastos do governo em direitos sociais”, criticou.