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Painel 14 – A construção de uma sociedade mais justa e solidária em painel sobre inclusão

terça-feira, 28 de novembro de 2017 às 17h10

São Paulo - Um apelo ao respeito à diversidade de forma ampla, com vistas à construção de uma sociedade mais justa e solidária, marcou as discussões do Painel 14 – Inclusão Social: Exigência Constitucional --, realizado na manhã de terça-feira (28) como parte da programação da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, em São Paulo. O painel foi presidido por Josemar Carmerino dos Santos. A relatoria ficou a cargo de João Paulo Setti Aguiar e Henrique da Cunha Tavares exerceu a fumção de secretário.

O presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Roberto de Figueiredo Caldas, condenou fortemente o crescimento da pobreza e da desigualdade nos últimos anos. “A Convenção Interamericana de Direitos Humanos exige a inclusão social em suas diversas facetas econômicas, culturais e sociais”, afirmou. Citando cifras das Nações Unidas, do Banco Mundial e da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), Figueiredo Caldas pontuou que a desigualdade é uma herança colonial, que continua vigente – sobretudo no Brasil, campeão de desigualdade na região. “É fundamental visibilizar essa desigualdade, que não aparecem nos grandes eventos”, alertou.

Ao comentar o caso brasileiro, o magistrado da Corte Interamericana fez uma dura crítica às reformas empreendidas pelo governo do presidente Michel Temer. “As recentes alterações constituicionais representam um claro retrocesso naquilo que não pode retroceder de maneira nenhuma: os direitos sociais”, sublinhou. “A Constituição Federal de 1988 e o Pacto de San José determinam que os direitos sociais devem ser sempre progressivos, nunca regressivos. Não podemos mais suportar determinadas reformas legislativas que prejudicam aqueles que já têm menos.”

Figueiredo Caldas mencionou especificamente a reforma trabalhista. “É uma contrarreforma, pois gera uma carga ainda maior sobre aqueles que deveriam ser protegidos.” Além disso, continuou, a medida vai na contramão da Agenda 2030 das Nações Unidas para o combate à pobreza, que pretende eliminar a miséria em todo o mundo dentro dos próximos 12 anos. Com essas reformas, afirma o magistrado da Corte Interamericana, o Brasil está caminhando na contramão do pacto global. “Chegaremos assim a um subdesenvolvimento insustentável”, lamentou.

Inclusão

O tema da empregabilidade das pessoas com deficiência foi tratado pelo presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência da OAB São Paulo, Mizael Conrado, que fez uma retrospectiva de como as sociedades têm tratado os portadores de necessidades especiais ao longo da história. “Até 1930, fomos marcados pela segregação. As medidas de inclusão tiveram início a partir de 1940. A época a que chamamos ‘período da inclusão’ começa efetivamente nos anos 1990, e é o período mais frutífero que vivemos até agora, quando as pessoas começam a compreender o que é a deficiência”, detalhou.

Mizael Conrado afirma que a Constiuição Federal de 1988 possibilitou uma série de avanços para os portadores de necessidades especiais. “Os dispositivos constitucionais abriram caminho para outros dispositivos que foram essenciais para a inclusão, como a Lei Federal 8.213, de 1991, que estabelece uma reserva de mercado para pessoas com deficiência em empresas com mais de cem funcionários”, enumera. 

“Em 1999, o Decreto 679 obrigou as universidades a criarem condições para atender pessoas com deficiência.” Graças a esses avanços, o presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência da OAB São Paulo afirma que a década de 2000 está sendo o “grande momento” para a inclusão no Brasil e no mundo.

“Em 2006, aprovou-se a Convenção Internacional da ONU sobre Pessoas com Deficiência, que foi ratificada pelo Brasil. Essa convenção altera vários paradigmas. Com ela, por exemplo, a deficiência deixa de estar na pessoa e passa a estar no meio. Ou seja, havendo condições, a pessoa com deficiência tem capacidade como qualquer outro indivíduo. A deficiência sai do foco da doença e passa à funcionalidade”, afirma Mizael Conrado. “Depois disso, em 2015, aprovamos a Lei Brasileira de Inclusão.” Ainda assim, pondera, é preciso avançar mais. “Temos 403 mil pessoas com deficiência empregadas no país, sendo que com a lei deveria haver mais de 800 mil vagas”, exemplificou.

A Convenção da ONU e a efetivação dos direitos das pessoas com deficiência foi tema da intervenção de Joelson Dias, vice-presidente da Comissão Especial dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal da OAB, que insistiu na necessidade de mudanças para além das leis. “Sem uma mudança cultural, de hábitos, de atitude, essa verdadeira revolução em cada indivíduo, não tem Convenção da ONU, tratado, Lei Brasileira de Inclusão, instrumento ou instituição que dará conta da efetivação desses direitos”, exortou. “Teremos sempre uma distância muito grande entre o papel e a atuação das nossas instiuições e o que está nos corações e mentes de todos nós.”

De acordo com Joelson Dias, “de nada adianta definir as mudanças trazidas pela Convenção da ONU para as pessoas com deficiência enquanto não normalizarmos essa mudança: ver o outro, assumir a perspectiva da alteridade.” Enquanto essa “revolução” não acontece, o advogado recorda que a Convenção da ONU reforça direitos que já haviam sido trazidos pela Constituição Federal de 1988. “Além disso, oferece garantias internacionais para que o Brasil cumpra os deveres com as pessoas com deficiência. Caso não aconteça, podemos levar o país a cortes internacionais”, avisou.

Questão racial

A questão racial foi abordada pela presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB São Paulo, Carmen Dora de Freitas Ferreira, que lembrou do racismo que ainda vigora no país. “A Lei Áurea não se preocupou em reparar e inserir as pessoas negras que colocou em ‘liberdade’. Elas ficaram atiradas à própria sorte, sem direito a qualquer indenização, sem moradia, sem casa, e essa exclusão vem se perpetuando no tempo”, disse. “Ao contrário do que foi garantido aos imigrantes que vieram da Europa e foram agraciados com terra, estudo e possibilidade de emprego, aos negros nada foi assegurado. Até os dias atuais não se conseguiu uma igualdade real, apenas formal: na escrita, tudo está certo, mas, na prática, persiste uma grande exclusão”, expôs.

Carmen Dora insistiu no caráter “lúdico” do racismo à brasileira, em que manifestações claramente discriminatórias são tratadas como “brincadeira” – inclusive pelo Judiciário. “Quando interpelamos manifestações racistas, seja no âmbito privado, seja no âmbito público, somos geralmente acusados de radicais ou, pior ainda, de estarmos praticando racismo às avessas”, afirmou. “Temos que erradicar essa perversidade. Precisamos provocar o Judiciário para que forme jurisprudência sobre essas questões, que devem ser tratadas como relevantes, e não relegadas a segundo plano.”

Para a presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB São Paulo, o racismo é uma característica cultural, que começa desde a infância, e que custa muito esforço – e tempo – para ser modificada. Além disso, provoca impactos diretos no bem-estar físico e psíquico das vítimas. “O racismo provoca injustiças, e faz com que a pessoa adoeça, podendo até mesmo cometer suicídio”, pontua, ressaltando a violência de Estado de que os negros são vítimas no país. “Quando um jovem negro diz à sua mãe que vai a uma festa, essa mãe reza para que ele não seja abordado pela polícia. Porque, se for abordado, sabe-se lá o que vai acontecer. Os casos de violência policial são inúmeros.”

Mobilidade urbana

O secretário de Transportes da cidade de São Paulo, Sérgio Avelleda, proferiu a palestra “Mobilidade Urbana: uma questão de Direito”, em que desfilou uma série de argumentos favoráveis à diversificação da estrutura urbana – hoje em dia excessivamente concentrada nos automóveis – e à sua adaptação ao desenvolvimento de outros meios de transporte alternativos ao carro. “A mobilidade urbana não é uma luta de classes: é uma racionalização e harmonização do espaço das cidades. Não é que sejamos contra o automóvel, mas é que ele recebeu no século 20 uma atenção para além do que pode atender em termos de mobilidade”, ressaltou.

Sérgio Avelleda argumenta que as cidades brasileiras se urbanizaram tradiamente, a partir dos anos 1950, porém, de maneira muito rápida. Além disso, foram urbanizadas para atender às necessidades do carro. “O século XX foi o século do automóvel.” No entanto, lembra, apesar de toda a política pública centrada no automóvel, em São Paulo, por exemplo, o automóvel é responsável por apenas 31% das viagens diárias: a maioria das viagens ocorre a pé: 45%. “O automóvel transporta menos de um terço das pessoas. A experiência histórica mostra que as cidades que mais infraestrutura construíram para os automóveis são as mais engarrafadas. Los Angeles é o grande exemplo”, exemplificou.

O secretário municipal de Transportes de São Paulo também lamentou a quantidade de mortes ocorridas diariamente no trânsito brasileiro. “Todos os dias morrem 128 pessoas no Brasil vítimas de acidentes de trânsito. Isso sem contar os feridos”, afirmou. “Cerca de 90% desses eventos trágicos são evitáveis.” Avelleda usou as cifras de mortes no trânsito para pontuar um aspecto da desigualdade global: “As mortes se concentram nos países mais pobres, onde há menos carros. As nações desenvolvidas têm 52% da frota mundial e apenas dez por cento das mortes.”

O painel Inclusão Social: Exigência Constitucional aprovou uma moção de apoio ao Plano de Valorização do Advogado com Deficiência, além de aprovar as seguintes proposições: incluir no projeto “OAB vai à escola” e no Exame de Ordem informações sobre a questão racial do Brasil; fomentar o ensino pela inclusão nas escolas; integrar as comissões de monitoramento de seleção sob a égide da Lei de Cotas; promover campanha publicitárias inclusivas; implementar as deliberações do VI Congresso dos Advogados Afrobrasileiros; celebrar um termo de cooperação internacional entre OAB e Organização dos Estados Americanos (OEA); enviar representantes da OAB para reuniões de acompanhamento da Convenção da ONU; realizar, no âmbito da Escola Nacional de Advocacia, cursos sobre a proteção de pessoas com deficiência; e tomar medidas concernentes à aposentadoria do servidor com deficiência.

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