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Painel 38 - Racismo que aumenta a desigualdade

quarta-feira, 29 de novembro de 2023 às 13h35

A 24ª Conferência Nacional da Advocacia dedicou um painel, nesta quarta-feira (29/11), para tratar das relações raciais e suas consequências para a desigualdade e o desenvolvimento. Um dos aspectos falados foram as políticas de ações afirmativas e sua importância no combate ao racismo e desigualdades.

A presidente do painel, Suena Mourão, conselheira federal pelo Pará e presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade, ressaltou o fato de a mesa de debatedores ser formada 100% por mulheres, o que para ela aumentou a importância da discussão do tema. Apresentando-se como uma mulher “afroamazônica” e como a primeira advogada da família, Suena considera esse tipo de debate necessário e importante. 

A relatora Silvia Cerqueira, que é conselheira federal pela Bahia, ressaltou que esse foi um painel potente e que “estamos aqui hoje porque nunca aceitamos ficar só na fotografia”. O painel teve como secretário Ricardo Cunha, conselheiro federal pelo Amazonas. 

Racismo e desigualdade

A primeira palestra teve como temática as políticas de ações afirmativas e sua importância no combate ao racismo e desigualdades. Coube à Núbia Elizabette, conselheira federal por Minas Gerais e secretária-adjunta da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil do CFOAB, iniciar os trabalhos, ressaltando que para tratar do assunto é preciso entender o racismo institucional no Brasil, o estrutural e o psicológico, que muitas vezes não é percebido. 

O racismo, segundo ela, “é uma máquina de destruir seres humanos, e, com eles, suas dignidades e sonhos.  Mutila, castra, segrega e mata. O racismo mata a oportunidade de falar de amenidades, já que eles poderiam estar tratando de outros temas. Mas temos que falar das atrocidades, devido a diferenciação dos seres humanos pela raça”. Ela enfatiza que ainda vivenciamos no Brasil a “sobrevida da escravidão” e se é mulher, preta e pobre a situação ainda é pior. 

Para Núbia, “essa é uma dívida cultural que o governo tem para com o país, e a sociedade tem e precisa se redimir. Citando Nelson Rodrigues, Núbia Elizabette disse que “a vida do preto é toda tecida de humilhações” e faz uma indagação: ”Você conhece alguém que esteja cumprindo pena por racismo?”

Desigualdade econômica

Na sequência, foram abordados temas que relacionam raça, desigualdade e economia, como no caso da tributação do consumo e regressividade, tópico abordado por Evanilda Bustamante, professora da Universidade Federal de Viçosa. Falar do assunto, para ela, é tratar da desigualdade e, mesmo este não sendo um assunto novo, ele está longe de ser ultrapassado. Isso porque “no sistema tributário, o que tem menos renda acaba pagando mais tributos e é onde essa desigualdade fica escancarada”. No consumo, ela disse que essa diferença na renda também afeta mais o bolso dos mais pobres. 

Dados apresentados por Evanilda Bustamante mostram que os 10% mais ricos no Brasil detêm quase 60% da renda e a metade da riqueza patrimonial do país. Em relação a diferença na cobrança de impostos, “os 10% mais pobres comprometem mais de 24% da sua renda com tributação do consumo, já os 10% mais ricos tem 8% de tributação”. No Brasil, segundo ela, “a tributação tem gênero e cor, já que pelas estatísticas oficiais 42% dessas pessoas mais pobres são mulheres negras e 20% são homens negros”.

Passar essa desigualdade tributária para uma igualdade social, tema da conferência de Daniela Libório, conselheira federal por São Paulo e presidente da Comissão Especial de Direito Urbanístico, deve ser motivo de reflexão, no seu entendimento. Para ela, a desigualdade e a injustiça social começam “quando se fala na questão tributária e isso significa dizer que o governo sempre precisa de mais dinheiro, de mais receita. As empresas estão muito oneradas. Em outra linha, tem a população empobrecendo. Onde o governo vai buscar esse recurso? O Estado não faz o dever de casa, mas quer mais.” 

Além dessa falta de direção do governo e nas injustiças praticadas em função dessa situação, Daniela Libório entende é preciso saber de que igualdade estamos falando no país? Para ela, a desigualdade é visível nas cidades na prestação de serviços e na ocupação dos espaços urbanos: “Há uma questão racial nas áreas periféricas, com tratamento desigual e acesso diferenciado aos serviços públicos”.

Menos valia

A raça como menos valia econômica complementa o assunto, e esse foi o título da palestra de Lilian Azevedo, presidente da Associação Nacional dos Procuradores Municipais (ANPM). Ela começou sua explanação citando uma música cantada por Elza Soares a qual diz que “a carne mais barata do mercado é a carne negra” para ressaltar que o problema estrutural no Brasil está na maneira de se pensar a cultura. 

A educação, segundo ela, veio de uma estrutura escravocrata e essa consequência é sentida até hoje: “A desvalorização do negro está na base da estrutura brasileira e esse é um problema republicano. O racismo é perverso”. A questão que ela coloca é: se o negro vai ficar “nessa situação de dor, ou se luta o bom combate”. Mas existem algumas questões que dependem de vontade política e o problema “está na caneta de quem está no Poder. Esse é um dever do Estado cumprir a política de cotas, porque ele precisa sobreviver. Essa é uma questão de sobrevivência, mas falta gestão e vontade política.”

Salários diferentes para funções iguais

A conselheira federal por São Paulo Alessandra Benedito levou a discussão para os  escritórios de advocacia e práticas de ESG: os desafios do social a partir da perspectiva da inclusão racial. Ela entende que é preciso discutir “o direito de efetivamente nos sentirmos iguais. Hoje temos um número maior de alunos negros nas universidades, mas nem sempre foi assim. Mas as dificuldades e a dor que senti há 25 anos continuam as mesmas em relação aos  alunos de hoje”. 

Ela relatou a dificuldade em se encaixar em um ambiente, que na maioria das vezes é hostil para os estudantes. No seu entendimento, é necessário para o advogado negro avançar nesses espaços e se instrumentalizar com as demandas do mercado, falando de coisas que sempre existiram, como a questão ambiental, de governança e o social. O ESG nasce justamente de uma demanda no mercado e “o que está dentro do social, está no trabalho bem remunerado e no exercido da atividade com liberdade e quem está no mercado sabe como é difícil ser bem remunerado e ter ambiente digno”.

Alessandra argumenta que “pela entrega de um mesmo trabalho existe uma remuneração menor para o negro e só se é possível descobrir isso, que o negro ganha menos, quando o colega mostra o contracheque”. Esse é um movimento de valor que o mercado usa para estabelecer o diálogo na mesma perspectiva e é preciso mostrar que “ninguém chega em um espaço sem conteúdo para contribuir por um local melhor e inovador. Nunca se falou tanto em governança, mas os desafios do passado ainda estão presentes”.

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