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Veja íntegra do pedido de intervenção no ES feito pela OAB

quinta-feira, 4 de julho de 2002 às 15h37

Brasília, 04/07/2002 - Leia, abaixo, a íntegra do pedido de intervenção federal no Espírito Santo entregue no dia 21 de maio pelo presidente nacional da OAB, Rubens Approbato Machado, ao ministro da Justiça, Miguel Reale Junior:

Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Justiça e
Presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – CDDPH

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, por seu Presidente e representante legal, e em cumprimento de decisão unânime de seu Conselho Pleno, em reunião ordinária do dia 20 de maio de 2002, vem r. perante Vossa Excelência, com fulcro nos artigos 21-V, 34-III e VII, alínea b, 36-III, 84-X, 129-IV da Constituição Federal; no artigo 4º-§ 13 da Lei 4.319, de 16.03.64, com as alterações da Lei n.º 5763, de 15.12.71 (cria o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – CDDPH); nos artigos 44-I e II, 54-I e II da Lei n.º 8906, de 04.07.94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), oferecer a presente
REPRESENTAÇÃO,
a ser apreciada pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, com pedido de intervenção federal no Estado do Espírito Santo, pessoa jurídica de direito público interno, representado pelo Procurador-Geral do Estado do Espírito Santo, pelos fatos e fundamentos de direito que a seguir passa a expor.
Dos fatos.
É de conhecimento notório a existência de um clima de insegurança e incerteza no Estado do Espírito Santo. Sua população está assustada e receosa em face da disseminação da violência, oriunda, sobretudo, de integrantes da estrutura do crime organizado, sem a contrapartida do enfrentamento por parte das autoridades estaduais responsáveis pela segurança pública.
Nos últimos três anos, 1999, 2000 e 2001, o Estado do Espírito Santo liderou as estatísticas de ocorrência de crimes dolosos contra a vida. As investigações de tais crimes não evoluem, não indicam seus autores, e a impunidade acaba prevalecendo, na maioria dos casos.
Para consternação dos advogados brasileiros, foi assassinado na noite de 15 de abril próximo passado o advogado Joaquim Marcelo Denadai.
Joaquim Marcelo Denadai não resistiu a quatro tiros disparados contra o seu corpo, à queima roupa, em pleno passeio público, quando retornava à sua residência após habitual caminhada noturna. O homicídio ocorreu por volta de 23 horas, em uma rua de Vila Velha, município integrante da região metropolitana de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo.
Com pano de fundo desta cena macabra, avulta a entidade denominada Scuderie Detetive Le Coq- SDLC, cujo pedido de dissolução está em curso perante a Justiça Federal daquele Estado desde 1996, em ação proposta pelo Ministério Público Federal.
O fato é que Denadai, ligado à defesa dos direitos humanos, integrou Comissão, que, entre 1992/1994, apurou as ações da criminalidade organizada do Estado do Espírito Santo, quando denunciou o envolvimento da indigitada Scuderie Detetive Le Coq- SDLC na prática de ações criminosas, inclusive de homicídios no estilo “esquadrão da morte”. Tal comissão, composta por Denadai, pelo Delegado de Polícia Civil do Espírito Santo Francisco Vicente Badenes Júnior e pelo Promotor de Justiça Luiz Renato Silveira, acabou sendo dissolvida pelo então Governador do Estado, sob protestos.
Não obstante a sua dissolução, os trabalhos até então desenvolvidos pela comissão foram encaminhados, em 1994, ao Ministério da Justiça e ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – CDDPH.
No âmbito do CDDPH, tais denúncias e informações foram objeto da mobilização de uma Comissão especialmente constituída e de uma Subcomissão formada no Estado do Espírito Santo. Dos trabalhos dessas Comissão e Subcomissão resultou um relatório fundamentado e conclusivo, com quarenta recomendações, às autoridades do Estado do Espírito Santo (Executivo, Judiciário, Ministério Público, etc.), e uma volumosa documentação das numerosas denúncias de fatos criminosos, que passaram a ser examinadas pelo Ministério Público daquele Estado, por meio de um grupo de trabalho constituído por Promotores de Justiça. Atendendo a recomendação do citado relatório, foi proposta a dissolução judicial da entidade Scuderie Detetive Le Coq- SDLC.
Após a dissolução da Comissão estadual e das ações do CDDPH, por diversas vezes foram feitas solicitações de mobilização do Ministério da Justiça, para garantir a integridade física dos ex-comissionados, inclusive com registro de uma medida cautelar, solicitada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA – Organização dos Estados Americanos.
Assim, por diversos períodos, o advogado Joaquim Marcelo Denadai e o Promotor de Justiça Luiz Renato da Silveira tiveram proteção policial federal ostensiva, e mais recentemente o Delegado Francisco Badenes foi incluído em situação especial no Programa Federal de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas.
Passados vários anos do relatório do CDDPH, a criminalidade no Espírito Santo continua preocupante. Persistem os crimes de homicídio, muitos deles com todas as características de “assassinato de aluguel”, de crime de mando.
José Guilherme Godinho Ferreira, policial civil no Estado do Rio de Janeiro e um dos fundadores da Scuderie Detetive Le Coq- SDLC, é autor do slogan mais conhecido do grupo: “bandido bom é bandido morto”.
Assinale-se que, em 1996, o Delegado Francisco Badenes foi agraciado com o Prêmio Nacional de Direitos Humanos, pelo governo brasileiro, por suas investigações sobre a Scuderie Detetive Le Coq- SDLC.
Recentemente, a ONG Centro de Justiça Global, cuja finalidade é a promoção da justiça social e dos direitos humanos no Brasil, apresentou relatório calcado em rigorosa documentação, em que detalha a situação da violência no Estado do Espírito Santo e, particularmente, da atuação da Scuderie Detetive Le Coq- SDLC.
Tal entidade, sabidamente um grupo de atuação paramilitar com ligações com o crime organizado e ramificações no alto escalão da política e da polícia, fundada em 1964, sob a ditadura militar brasileira, tem forte presença também em outros estados brasileiros, além do Espírito Santo.
Constam do relatório, dentre outros registros, trechos que merecem transcrição:
Fundada em 1964, sob a ditadura militar brasileira, em homenagem ao detetive assassinado Milton Le Cocq D’Oliveira, a S. D. L. C. teve mais de 3.800 membros no começo dos anos 90, e teve filiais em todo o Brasil e América Latina. [121]. O aparato sofisticado da S. D. L. C. incluiu departamentos de Assuntos especiais, serviços de inteligência e contra-inteligência, e a S. D. L. C. operava sua própria estação de rádio e revista. [122]. A Scuderie Detetive Le Cocq, é formalmente reconhecida através de Registro Civil no Estado do Espírito Santo, sob a égide de “Uma instituição benemérita e filantrópica, sem fins lucrativos, com o objetivo de servir à comunidade”. [123]. Segundo investigações realizadas sobre a S. D. L. C, o “serviço” prestado era vigilância, incluindo execuções extrajudiciais de suspeitos de crimes de rua. José Guilherme Godinho Ferreira, um dos fundadores do grupo, criou o slogan mais conhecido do grupo: “Bandido bom é bandido morto”. [124]. A partir de 1996, os membros do grupo incluíam juízes, promotores policiais, militares, fiscais do estado, vereadores, um deputado e um magnata do jogo do bicho, todos distinguidos por um adesivo de pára-brisas com o logotipo da S. D. L. C, uma caveira com as iniciais E. M. Publicações do grupo afirmavam que estas letras vinham de Esquadrão da Morte, uma interpretação bem mais condizente com a imagem mórbida que as letras acompanham [125]. Além dos membros oficiais do grupo, a S. D. L. C tinha muitos simpatizantes em todo Brasil, devido à infeliz, porém largamente difundida crença de que as principais vítimas da S. D. L. C, crianças de rua, deveriam ser eliminadas. Como resultado das atividades de grupos como a S. D. L. C, os assassinatos de crianças e jovens subiram muito em 1992 e 1993, sendo que trinta e quatro foram registrados em 1993 e somente no Espírito Santo. [126].
As investigações de Badenes sob o patrocínio da Comissão levaram a numerosas prisões de policiais ligados à S. D. L. C. [127]. Entretanto, as prisões levaram a poucas condenações, e muitos dos suspeitos foram subseqüentemente liberados, criando um clima de medo tanto para as testemunhas como para os investigadores. Muitas das testemunhas se recusaram a fornecer provas ou testemunhar, e vários detetives trabalhando para a Comissão requisitaram transferência após serem intimidados, inclusive o presidente dea Comissão, Manoel Antônio de Barros, que não acreditava que o governo do estado do Espírito Santo estivesse fazendo o suficiente para apoiar a Comissão [128]. S. D. L. C. à Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados, apresentando 5.297 páginas de documentos, nove fitas de vídeo e duas fitas de áudio [130]. Além de implicar a S. D. L. C no assassinato de dezenas de adolescentes, Badenes atribui os assassinatos do jornalista Mário Eugênio e da investigadora da Comissão do Orçamento, Ana Elisabeth dos Santos, ambos oponentes da S. D. L. C, aos integrantes do grupo [131]. Em um capítulo entitulado “Do sistema de acobertamento”, Badenes escreveu que devido à influência da S. D. L. C:
“(...)”. “No poder judiciário, há a protelação de depoimentos relevantes quando se trata de pessoas influentes... No Ministério Público não são acompanhados os inquéritos... Na Polícia Civil... as provas colhidas pelo perito desaparecem ou são manipuladas. Há confissões forjadas para desviar os verdadeiros culpados. Há álibis forjados”.[132].
“(...)”. Em 13 de fevereiro de 2002, Badenes escreveu para o Prof. Paulo Sérgio Pinheiro, secretário nacional de Direitos Humanos, resumindo as intimidações perpetradas pela S. D. L. C. na década anterior, e requisitando “providências cabíveis” para combatê-las [154] .
Até a data em que foi escrito este relatório, o processo de Rodrigues ainda estava pendente. Também sem resolução estavam os processos de dissolução da Scuderie, iniciado depois do primeiro depoimento de Badenes frente à Comissão de Direitos Humanos, em 1995.
O Juiz Federal, que sucedeu o Juiz Athiê (indiciado por suspeita de corrupção no Superior Tribunal de Justiça), entendeu que a Justiça Federal não seria competente para julgar o caso, apesar de todos os fatos apontares nesse sentido e que a atuação criminosa da Scuderie tem ramificações em diversos estados, e proferiu decisão no sentido de que o processo passe para a Justiça Estadual.
O Ministério Público Federal recorreu e atualmente o processo encontra-se no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no Estado do Rio de Janeiro aguardando decisão judicial.
Quando este relatório foi escrito, Badenes estava sob proteção do Programa de Assistência às Vítimas e às Testemunhas Ameaçadas, enquadrado em uma modalidade especial [155].”


Do papel da OAB-ES e das ameaças ao seu Presidente, Dr. Agesandro da Costa Pereira

Todos os graves fatos e acontecimentos aqui descritos, de flagrante violação dos direitos humanos, sempre tiveram o enfrentamento e a forte repulsa da OAB do Estado do Espírito Santo, por seus conselheiros e dirigentes e, sobretudo, de seu representante legal, o Presidente Agesandro da Costa Pereira, como demonstra a coleção de notícias de jornal coligidas em anexo.
Assim, após exposição ao CDDPH pelo Presidente Agesandro, foi realizada em Vitória, capital, audiência pública presidida, à época, pelo Sr. Ministro da Justiça, Dr. José Carlos Dias, e as presenças, dentre outras autoridades, do Presidente Nacional da OAB, Dr. Reginaldo Oscar de Castro, do Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro, do Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, Subprocurador-Geral da República Dr. Wagner Gonçalves, do Procurador Regional da República Dr. Ronaldo Albo, Chefe da Procuradoria da República no Estado do Espírito Santo, etc. etc.
Essa iniciativa do Presidente da OAB-ES serviu tão somente para fazer recrudescer e intensificar as graves ameaças que lhe foram dirigidas. A última delas, por via epistolar e bem escrita, merece transcrição integral, pelo seu conteúdo assustador e aterrorizante, a saber:

“Quantos policiais federais estariam disponíveis para proteger você, seus quatro filhos (inclusive a filha quer você tem fora do casamento), seus netos (principalmente aqueles que moram com seu filho no interior de Minas Gerais), sua mulher e seus amigos? Também estariam estes policiais disponíveis para proteger qualquer um de seus amigos? Estes mesmos policiais estariam, por exemplo, disponíveis para proteger a vice presidente da OAB, que anda normalmente em seu carro pelas noites de Vitória? E os filhos dela, que estudam em uma faculdade da cidade e andam também sozinhos? E o seu secretário geral, que tem uma casa em Nova Almeida e costuma pescar sozinho? E os filhos dele? E o seu tesoureiro, que tem uma casa em Jacareípe e anda muito exposto, fácil de ser assaltado e morto? E os filhos dele? E a sua secretária que anda à pé no centro da cidade de noite e anda de noite para casa em Vila Velha e também pode ser assaltada? É bom pensar nisto. O Ministro e o Presidente das OAB não fariam mais que lamentarem durante alguns dias seu sumiço. Você já está no lucro. Deveria prestar mais atenção nas suas ações. Falar muito já levou o Denadai. Pode levar outras pessoas de seu relacionamento. A violência neste estado é muito grande. Qualquer um pode ser assaltado e resistir ao assalto. Daí... Você não está lidando com gente pequena, pode saber. Seus passos e suas conversas são conhecidas mesmo antes de você pensar. Não adianta achar que a Justiça vai fazer qualquer coisa porque tem muita gente grande, de ponta, no negócio. É melhor cuidar dos problemas da OAB. Ou você acha que sua casa é protegida. Bicicleta tem aos montes Agesandro, ninguém precisava roubar a sua. Quantas pessoas você agüentaria enterrar nesta altura da vida? Ou você acha que tem alguém besta que te mataria? Quantos conselheiros a PF poderia proteger? Você iria colocar todos eles protegidos? Lembra da secretária da OAB que morreu no Rio? Você sabe que tem gente dentro da OAB para vigiar os seus passos e os de seus amigos? Você desagrada muita gente, mas não sabe quem nem quando. Tem muita gente que gostaria de ver a OAB cuidando de seus problemas? Você acha que vai resolver o que falando sempre a mesma coisa? Quando é que você acha que vale os negócios que você denuncia? O mundo é assim. Na sua idade a sabedoria deveria falar mais alto. Você não está sendo sábio, Agesandro. Pense nisto.


Para bem definir os fatos e evidenciar seu sentimento de insegurança e incerteza, merece ser colhido o depoimento do próprio Presidente Agesandro da Costa Pereira, em expediente enviado ao Presidente Nacional da OAB em 13.05.2002, do seguinte teor:




“Eminente Presidente,

Tenho a honra de dirigir-me a Vossa Excelência, como o faço, a fim de convocar sua preciosa atenção para a completa subversão da ordem pública, que intranqüiliza e ameaça a segurança das pessoas que vivem neste Estado, comprometendo a prevalência dos direitos humanos, um dos princípios fundamentais que informam o estado democrático de direito.

Cobra relevo assinalar que, como o País inteiro o sabe pela ampla divulgação nos meios de comunicação, o Estado do Espírito Santo, inteiramente dominado pelo crime organizado, vive sob o signo da insegurança e da incerteza e, neste palco, a ordem jurídica é reconhecidamente precária.

Neste quadro, os princípios legais se apresentam inconsistentes, destituídos de firmeza e de força, ante o poder político e econômico dos barões do crime organizado que dominam o Executivo e o Legislativo e tem influência marcante no Poder Judiciário e no Ministério Público Estadual.

Assistimos, como conseqüência direta, fatal e dolorosa desta crise lamentável, o triunfo do arbítrio, da prepotência, da violência e da corrupção, ajudado pela astúcia inescrupulosa, pelos interesses subalternos e pela covardia dos que deviam enfrentar, resistir e combater estes terríveis desatinos.

Os direitos fundamentais da pessoa humana, nesta quadra, são afrontados sem conseqüências, as violências ficam impunes ante as desalentadoras capitulações das autoridades locais e os lamentáveis colapsos da justiça.

As angústias da gente capixaba, prolongada através dos anos, assumem proporções insuportáveis com o bárbaro homicídio do nosso colega Joaquim Marcelo Denadai, ocorrido aos 15 de abril passado nesta Capital, perpetrado a mando de pessoas influentes, que participam do crime organizado com o propósito de neutralizar os efeitos gravosos de providências que o mesmo aviava em face deles.

O fato seria abafado pelas autoridades submissas aos criminosos, como o fora, o atentado antecedente do qual o nosso colega foi vítima, há cerca de três anos, cujo inquérito instaurado dormita nos escaninhos da polícia, para a comodidade dos agentes do crime.

A impunidade deste temível plêiade de malfeitores está plenamente assegurada pela influência que exercem sobre as autoridades, com seu poderio político e econômico.

É de salientar-se que o antigo Secretário de Segurança do Estado, Dr. José Rezende de Andrade, ao tempo de sua renúncia, informou-me que se afastava do cargo, porque, por considerações de ordem política que informava a postura governamental, era-lhe vedado alcançar, na repressão penal, os dirigentes do crime organizado.

Assinalo que esta Seccional tem cumprido seus altos deveres institucionais com destemor e, em razão de sua postura, seus dirigentes vêm sofrendo ameaças graves dos comandantes do crime organizado, que operam, neste Estado, sem repressão alguma.

O grave comprometimento da ordem pública, oriundo os desatinos das autoridades locais submissas ao crime organizado, atenta contra a prevalência dos direitos humanos e recomenda a intervenção federal neste Estado.

Destarte, transmito a Vossa Excelência as preocupações dos advogados capixabas, como já fiz em outras ocasiões, e peço-lhe seu inestimável amparo, na linha dos compromissos institucionais da Ordem dos Advogados do Brasil.

Estou remetendo a Vossa Excelência, junto a este ofício, para sua análise e meditação um sucinto relatório que registra fatos importantes dos quais se infere que a legalidade, neste Estado, sobrevive muito anêmica e combalida.

Agradeço-lhe o amparo que me tem dispensado, sobretudo nestes últimos dias, quando passei a sofrer ameaças gravíssimas, em razão da postura diuturna e intransigente desta Seccional, em prol da exatidão, da seriedade e do aperfeiçoamento das instituições, neste Estado.”



Da origem das investigações: inicialmente, sistemática violação de direitos humanos.

Sucessivas denúncias de sistemáticas violações de direitos humanos no Estado do Espírito Santo, caracterizadas por bárbaros assassinatos de crianças e adolescentes, que permaneciam impunes e sem investigação, foram levadas ao conhecimento do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Ministério da Justiça, que, por isso, instituiu Comissão Investigatória, cujos trabalhos foram relatados em 1994.
Os fatos então apurados contaram com a atuação eficiente do advogado Joaquim Marcelo Denadai, membro da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Espírito Santo, que veio a ser barbaramente assassinado em 15.04.2002, por razões estreitamente vinculadas àquela investigação.
As investigações revelaram a existência de associação criminosa, denominada Scuderie Detetive Le Coq – SDLC, que dedicava-se à prática de narcotráfico, controle de jogos ilícitos e homicídios, e cuja estratégia de ação consiste em atrair, para nela associar-se, políticos e pessoas da sociedade civil, de modo a inibir e até controlar o regular funcionamento das instituições públicas, subverter a hierarquia funcional nas corporações policiais civil e militar, garantir a impunidade dos responsáveis pela prática do crime e substituir-se às instituições públicas, de modo a permitir-lhe a prática reiterada de toda a sorte de crimes de seu interesse naquele Estado.
As investigações até então feitas deram ensejo a que a CPI do Narcotráfico, da Câmara dos Deputados, viesse aprofundar o conhecimento dos fatos ilícitos, e confirmasse todas as evidências até então coligidas, em relatório pormenorizado quanto a fatos e agentes de crimes patrocinados pela Scuderie Detetive Le Coq – SDLC.
A situação atual no Estado do Espírito Santo não é apenas de sistemática violação de direitos humanos, ou prática disseminada de crimes no Estado, em escala crescente e comprometedora da segurança pública.
É pior a situação.
Do comprometimento do regular funcionamento das instituições públicas
Trata-se de comprometimento definitivo do regular funcionamento das instituições públicas encarregadas de promover a administração da justiça no Espírito Santo – malgrado o esforço heróico e isolado de valorosos integrantes destas instituições – vez que a ação da Scuderie Detetive Le Coq – SDLC, apesar de uma década sob intensa investigação, ainda não foi inibida, paralisada ou responsabilizada. Seus integrantes não só praticam o crime de associação criminosa, mas prosseguem na prática de inúmeros outros crimes bárbaros, aos quais seguem o de homicídio, como queima de arquivo para garantia da impunidade, como ocorreu nos episódios dos assassinatos do Prefeito de Serra, José Maria Feu Rosa e do seu motorista; do advogado Carlos Batista de Freitas e do Prefeito de Cariacica, Cabo Camata, todos engendrados na mesma trama criminosa, a serviço e protegidos pela Scuderie Detetive Le Coq – SDLC, mas eliminados pela própria organização, para não se opor aos interesses de sua cúpula, como consta do relatório final da CPI do Narcotráfico da Câmara dos Deputados, que ainda acrescentou, quanto ao crime organizado no Espírito Santo:
“Utiliza-se de meios e recursos próprios das milícias e contribuições empresariais”. Incorpora, em seus quadros de associados, centenas de policiais (civis, militares e federais), serventuários da justiça, delegados, advogados (que normalmente ocupam a presidência), funcionários da administração pública, promotores de justiça e até juízes de direito, desembargadores, políticos, empresários, comerciantes e banqueiros de jogo do bicho.
A Scuderie surgiu como meio operacional de apoio à criminalidade organizada do Estado do Espírito Santo, compondo-se basicamente dos seguintes serviços:
- intermediação dos assassinatos de mando;
- execução desses assassinatos;
- acobertamento e desvirtuação nas investigações policiais pertinentes a esses assassinatos;
- e garantia da total impunidade na esfera judiciária.
Quanto à clientela da Scuderie, é basicamente composta por empresários e políticos que se interligam ao crime organizado.
Essa clientela articulou esquemas de violência (contando para tal com o sistema operacional da Scuderie) com o escopo de controlar o Poder Político das Administrações Municipais do Espírito Santo. Já detém o poder político em diversas prefeituras municipais do Espírito Santo, com o objetivo de se coligarem para se apoderarem da Administração Pública Estadual.”
Mais de uma década de investigação foi suficiente para demonstrar que o crime é organizado sobre o tráfico de drogas, o jogo ilícito, os homicídios etc.
É também eficiente para inibir o regular funcionamento das instituições públicas naquele Estado, notadamente as incumbidas de promover a investigação, a persecução penal e o julgamento dos crimes praticados por aquela organização criminosa, por seus membros ou por pessoas por ela protegidas de impunidade.
A Scuderie Detetive Le Coq – SDLC, agora, volta-se notadamente para inibir a ação da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Espírito Santo, pois acaba de assassinar o advogado Joaquim Marcelo Denadai, que atuou de modo eficiente junto à Comissão Investigatória instituída pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Ministério da Justiça para desvendar a atuação da Scuderie Detetive Le Coq – SDLC e os crimes praticados por seus integrantes e acabara de denúncia de fato novo, neste mesmo sentido, atribuindo-o à ação da Scuderie Detetive Le Coq – SDLC.
A Scuderie Detetive Le Coq – SDLC, não satisfeita, continua a disseminar ameaças ao Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Estado do Espírito Santo, etc., conforme prova recente carta a ele enviada, acima transcrita, renovando intimidações que se tornaram públicas desde 1999, conforme noticiaram jornais da época, cujas cópias seguem em anexo.

O comprometimento da ordem pública

A ordem pública só está realmente comprometida quando as instituições do estado instituídas para administração da justiça ou para execução das leis não podem exercer com regularidade, em situação de absoluta normalidade, suas atribuições, porque estão inibidas em decorrência de ameaças ou temor exercido sob seus integrantes, ou porque número expressivo de seus integrantes estão cooptados ou coniventes com a prática do crime.
No Estado do Espírito Santo, a ação da Scuderie Detetive Le Coq – SDLC adotou a estratégia de utilizar simultaneamente estes dois modos de inibir o regular funcionamento das instituições. O fato já é notório, e está amplamente apurado, em investigações diferentes, ao longo de mais de uma década.
A Scuderie Detetive Le Coq – SDLC é integrada, sobretudo, por policiais civis e militares. Age sobre estas corporações e inclusive subverte a hierarquia funcional e militar.
Assim, ainda segundo relatório final da CPI do Narcotráfico da Câmara dos Deputados, fica inibido o exercício regular das atribuições das autoridades incumbidas da persecução penal dos autores dos crimes praticados pela Scuderie Detetive Le Coq – SDLC, seus membros e protegidos, respectivamente.
Destarte, tal organização, Scuderie Detetive Le Coq – SDLC, congrega pessoas poderosas, com recursos e penetração política e age sobre o ânimo dos que tem de apurar a autoria dessas infrações.
Agora, a Scuderie Detetive Le Coq – SDLC quer também inibir a ação dos advogados no Estado do Espírito Santo, especialmente os que aceitam promover a defesa dos direitos humanos e de interesses subjetivos contrários aos interesses ilícitos dos associados da Scuderie Detetive Le Coq – SDLC, ou de seus protegidos.
Deste modo, a ordem pública está definitivamente comprometida pela absoluta impossibilidade de regular exercício das atividades do Estado necessárias à aplicação da lei e à administração da justiça.
Até a opinião pública está paralisada pelo temor disseminado pela Scuderie Detetive Le Coq – SDLC e amplamente ecoado em declarações de autoridades públicas, inclusive do Poder Judiciário.
A situação não é de mero agravamento da insegurança pública, de aumento da impunidade, de dificuldades operacionais para promover investigação policial, de resto compartilhada pelos diferentes Estados da Federação.
No Estado do Espírito Santo, a situação é de comprometimento da ordem pública, porque as instituições, mesmo que seus membros o queiram, estão inibidas de aplicar a lei e de administrar a justiça contra os interesses e os agentes da Scuderie Detetive Le Coq – SDLC, que é instituição que infiltrou-se nestas mesmas instituições do Estado e atemoriza quem se lhe oponha.
Na situação atual, não há testemunha que se anime a depor, nem há garantias eficientes de proteção do Estado para as que vierem a depor.
O caso justifica, assim, a intervenção federal.
A doutrina realça caber intervenção federal, em caso de grave comprometimento da ordem pública “que o Estado não pode ou não quer debelar” ; ou que “somente poderá concretizar-se quando outros instrumentos jurídicos adequados e empregados – o impeachment, o processo penal – tenham sido insuficientes para sanar o mal, ou quando é evidente a recalcitrância dos poderes públicos estaduais, ao cumprimento da lei.”

Da competência federal

Verifica-se que, no Espírito Santo, a ação da Scuderie Detetive Le Coq – SDLC promoveu o assassinato de Joaquim Denadai, em decorrência de fato diretamente vinculado à investigação promovida por Comissão do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, do Ministério da Justiça e que também foi objeto da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados, conhecida como CPI do Narcotráfico.

Tais investigações estão inseridas no regular exercício das atribuições do C.D.D.P.H., definidas no art. 4º da Lei 4.319/64 , e têm o objetivo de desvendar a ação da Scuderie Detetive Le Coq – SDLC e de sua crescente prática criminosa no Estado do Espírito Santo, a impunidade de seus agentes, que atuam em organização criminosa, para que pudessem ser adotadas providências necessárias pelos órgãos da União, inclusive o CDDPH, e também pelo Estado do Espírito Santo (Poder Executivo, Ministério Público Estadual, Poder Judiciário), no sentido de punir os responsáveis e adotar providências necessárias à garantia da paz e da segurança públicas e as indispensáveis para o restabelecimento da lei, da ordem e da segurança individual dos cidadãos.

Deste modo, a comprovar-se a conduta dos agentes da Scuderie Detetive Le Coq – SDLC, em quadrilha e co-autoria, caracterizou-se o crime autônomo tipificado no art. 8º da Lei 4319/64, que consiste em “impedir ou tentar impedir, mediante violência, ameaças ou assuadas, o regular funcionamento do CDDPH ou de Comissão de Inquérito por ele instituída ou o livre exercício das atribuições de qualquer dos seus membros.”
O advogado Joaquim Marcelo Denadai foi eficiente colaborador em investigação federal promovida pelo CDDPH e seu homicídio hediondo atentou contra bens e interesses da União. Este fato era notório no Espírito Santo, pois foi amplamente divulgado na imprensa. A divulgação de fato ilícito novo, atribuído por ele à Scuderie Detetive Le Coq- SDLC, motivou seu assassinato. Este homicídio hediondo está, portanto, sob o âmbito da competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109-IV da Constituição.




Da representação
Ante o exposto, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil representa ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Ministério da Justiça, para que este também reconheça o notório e grave comprometimento da ordem pública e de permanente violação dos direitos da pessoa humana no Estado do Espírito Santo, como fundamentos constitucionais suficientes e necessários à decretação de intervenção federal naquele Estado (CF, art. 34-III e VII-b), como medida eficiente para superar esta insuportável situação de ilicitude e para que o CDDPH, por intermédio do Ministro de Estado da Justiça:
a) no caso do inciso III do artigo 34 da Constituição, apresente-os ao Presidente da República, para que expeça o decreto de intervenção federal, conforme disciplina o artigo 36-§1º da Constituição, no exercício de sua competência (art. 84-X);
b) no caso do inciso VII-b do artigo 34 da Constituição, apresente-os ao Procurador-Geral da República para que Sua Excelência, como titular exclusivo desta atribuição (artigo 36-III da Carta), formalize junto ao Supremo Tribunal Federal representação para fins de intervenção federal no Estado do Espírito Santo, para posterior decreto de intervenção pelo Presidente da República (CF, art. 84-X).
Brasília, 20 de maio de 2002

Rubens Approbato Machado
Presidente
Documentos anexos:
1. Cópia do relatório da ONG Justiça Global, relativamente à violência e impunidade no Estado do Espírito Santo.
2. Cópia do ofício n.º GP. nº 212/02 do Presidente da OAB-ES ao Presidente Nacional da OAB, de 13.05.2002.
3. CPI Federal do Narcotráfico – trabalhos da CPI no ES e apuração do envolvimento de policiais, políticos, empresários e outros criminosos no Estado – Recortes de jornais.
4. Crime Organizado no ES: envolvimento das Polícias Civil e Militar, participação do Cel. Ferreira e do deputado José Carlos Gratz no comando do crime
5. Violência no ES e descontrole estatal
6. Advogado Joaquim Marcelo Denadai – Documentos que podem levar à elucidação do seu assassinato.
7. Assassinato advogado Joaquim Marcelo Denadai. Recortes de jornais.
8. José Ignácio Ferreira – Governador do ES – Denúncias e documentos diversos
9. José Ignácio Ferreira – Recortes diversos de jornais
10. Ministério Público - Relatório do Grupo de Combate ao Crime Organizado
11. José Carlos Gratz – Presidente da Assembléia Legislativa do ES

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