É preciso acabar com o critério eleitoral para abrir cursos
Natal, 04/03/2007 - A Ordem dos Advogados do Brasil ganhará a partir desse ano uma postura mais política e será a principal arregimentadora do movimento que cobrará a reforma política. Quem garante é o novo presidente nacional da OAB, Cezar Britto. Ele assume a entidade com uma postura arrojada e, inclusive, sonhando em implantar disciplinas de Direito nas escolas de ensino médio como meio de formar melhor os cidadãos.
Cezar Britto é crítico ao falar do grande número dos cursos de Direito e diz que o "pecado" é de ambos os lados: do Ministério da Educação e da própria OAB, que não cobram uma fiscalização maior. “A ascensão social pelo saber é uma das poucas chances de se ter uma oportunidade nesse país, não se pode mercantilizar esse sonho, não pode deixar que tudo seja frustrado", comenta ele, creditando às "influências políticas" a abertura de muitas faculdades de Direito no país.
O convidado do 3 por 4 de hoje é um nordestino, de Sergipe, que alcançou a presidência de uma das principais entidades representativas do país.
P- Qual a sua grande preocupação na presidência da OAB?
R- A OAB tem várias funções; não há uma só definição específica. A Ordem tem uma ação institucional forte e uma ação corporativa forte. Precisaremos ter uma multiatividade, ainda mais como o Brasil é continental, a Ordem tem 27 seccionais, 600 mil advogados, é preciso uma grande atuação. É necessário um projeto muito mais global do que um específico. Mas várias preocupações podem ser destacadas. No campo institucional manteremos a ordem como uma fiscal rigorosa das ações governamentais, de todos os Governos, exigiremos transparência na coisa pública, queremos a reforma política que pela ausência dela tem provocado vários males para o país. Queremos participar do debate sobre o crime organizado. E é preciso incluir no rol do crime organizado o crime de colarinho branco. No campo institucional vamos trazer os movimentos sociais para dentro da Ordem. É preciso estimular as associações civis no sentido de melhorar o controle das políticas públicas. Hoje a legislação é farta, temos que permitir que as associações fiscalizem. Muitas vezes elas não fazem o controle por falta de conhecimento da legislação. É tarefa nossa conscientizar. No campo corporativo a Ordem precisa compreender que parte dos seus associados está proletarizada pelo aumento exagerado dos cursos de Direito. Precisamos compor duas frentes: uma estancar esse número absurdo de faculdades de Direito, onde a mercantilização é a tônica e não o saber. Esses cursos estão sendo concebidos pelo critério eleitoral e não pelo critério educacional. A outra frente é melhorar o exame de Ordem. Ele tem que ser único no Brasil, a mesma prova, o mesmo conteúdo.
P- Se na prática os cursos de Direito têm níveis diferentes, não seria ousar demais uniformizar o exame da Ordem?
R- Não vejo dessa forma. A Ordem quando faz o exame realiza com o conteúdo que é uniforme para todos os Estados, que é matéria de Direito Constitucional, Civil, do Trabalho, Penal. Esse conhecimento todo advogado tem que ter e sobre essa parte é que vamos perguntar.
P- A que o senhor atribui um percentual tão baixo de aprovação no exame?
R- Não temos dúvida sobre isso. É decorrência da péssima qualificação dos cursos de Direito. Hoje temos faculdade funcionando em cinema, no intervalo de horário de 4h às 7h da manhã, sem qualquer condição técnica de funcionamento. Quando se faz o diagnóstico por Estado, a gente vê que o Exame de Ordem não é rigoroso. As boas instituições aprovam quase que unanimemente, as ruins reprovam quase que unanimemente.
P- Nessa grande proliferação dos cursos de Direito, quem peca mais: o MEC que não fiscaliza ou a OAB que não cobra a fiscalização?
R- Peca mais quem concede (a autorização para funcionar). Se o Ministério da Educação fiscalizar e revalidar os cursos a parte maior é dele. Até porque o critério tem sido muito mais eleitoral do que educacional. Mas não posso deixar de dizer que a Ordem também tem sua culpa. A Ordem precisa fiscalizar mais. E nesse sentido vamos atuar mais, ampliar a Comissão de Ensino para ter uma turma permanente na fiscalização. A ascensão social pelo saber é uma das poucas formas de ter uma chance nesse país, não se pode mercantilizar esse sonho. Não se pode frustrar isso. No curso de Direito se torna claro que o diploma de bacharel não tem utilidade por si só. Para ser advogado tem que ter o exame, para todas as carreiras jurídicas é preciso fazer prova, e aí vem a frustração. Por isso temos que fazer uma atuação muito forte na fase de criação, reconhecimento e revalidação dos cursos.
P- O problema seria que a lei é benevolente para facilitar a abertura de novas faculdades?
R- A legislação é permissiva e o Governo diante da permissividade exagera. Há um certo charme das instituições terem um curso de Direito. Ele é nobre, barato e tem um retorno econômico. Quando dá status e lucratividade há uma cobiça maior das instituições de ensino. É preciso acabar com a influência eleitoral para criar esses cursos. Diminuiu-se muito o curso de Direito, mas no ano pré-eleitoral houve concessão eleitoral.
P- Como o senhor avalia esse “perfil” do curso de Direito: transformou-se em segunda formação para muitos profissionais e “trampolim” para a carreira de funcionário público?
R- O curso de Direito permite a função de qualificar a burocracia estatal. Várias atividades necessariamente precisam do conhecimento de Direito. A Cidadania deveria ser uma disciplina do ensino no segundo grau. A relação com o Estado, como cidadão precisava ser dado. É a ausência do conhecimento de Direito que faz surgir o autoritarismo. O cidadão tem que conhecer seus Direitos. Essa matéria deveria ser dada nas escolas. No serviço público, que remunera mal, a remuneração é melhor nas áreas decorrentes do Direito, por isso a procura é maior.
P- Seria sonhar demais que o Direito seja disciplina do ensino médio?
R- Vamos lutar muito para isso. Se nós queremos cidadãos, temos que ensinar aos cidadãos as matérias que estimulem os pensamentos. Não há democracia sem o conhecimento do Direito e da Cidadania, se não nós viveríamos no autoritarismo. Vamos tentar convencer o MEC da importância do ensino da Cidadania e do Direito para todas as pessoas.
P- O senhor não estaria muito otimista em acreditar que a Reforma Política vai ser feita na sua integralidade?
R- Ou o Congresso faz a reforma política ou o Congresso se desmoraliza mais do que está. A vantagem é que vamos ter um Congresso novo. Esse vai ser o grande dilema, vai ser novo na denominação, ou novo na discussão política para o país? Ele será político ou vai praticar politicagem? O Brasil precisa de um grande parlamento. A função dele é levar a voz da população. Se ele falhar, falha a democracia. Vamos cobrar a reforma política. O ministro Tarso Genro já disse que a Ordem (OAB) vai conduzir a reforma política. A Reforma Política será a grande possibilidade de passar o Brasil para uma nova fase.
- A OAB está disposta a encampar essa luta pró-Reforma?
R- Ela não está disposta, mas vai fazer. Há uma diferença entre querer e fazer, nós vamos fazer.